Isto é um bocadinho ao lado do tema mas vale a pena ler:
A Itália 1982 está no meio de nós
Três empates fazem-nos recordar a squadra, que ganha 1-0 ao Braga de Quinito antes de chegar a esse Mundial. “Troquei de camisola com Rossi”, festeja Dito
Islândia 1-1, Áustria 0-0, Hungria 3-3. A selecção portuguesa enamora-se do empate e faz história como a primeira selecção a passar a fase de grupos do Euro sem vitórias nem derrotas. Um pouco à imagem da Itália no Mundial-82: Polónia 0-0, Peru 1-1, Camarões 1-1. Uauuuu. E depois? A squadra é campeã mundial. À conta de quem?
Roberto Pruzzo é o melhor marcador do campeonato italiano em 1980-81. E em 1981-82. Será o avançado ideal para a selecção no Mundial-82? Assim de repente, sim. Acontece que Enzo Bearzot tem outras ideias. Para ele, o futebol é para a frente e bastante simples, com dois alas, um avançado e um médio criativo. "Escolhia os jogadores e deixava que eles jogassem sem impor esquemas tácticos. Ninguém chega ao pé do Maradona e lhe diz ‘joga assim’." Pronto, lá está: um avançado. Insistimos, não será Pruzzo?
Nãããããããã, é Paolo Rossi. Esse mesmo, a figura do campeonato 1979-80. Dezembro de 1979, dia de Avellino-Perugia num duelo entre o 10.º e o 12.º classificado. Considerado the next big thing do futebol italiano, Paolo Rossi abre e fecha o marcador (2-2). Uma semana depois, já em 1980, o Milan recebe a Lazio e ganha 2-1. Até aqui tudo bem. Acontece que Alvaro Trinca e Massimo Cruciano, dois comerciantes de Roma, queixam-se à polícia de resultados combinados. Ou mal combinados. Porque eles (Trinca, gerente do restaurante Le Lampare; Cruciano, vendedor de legumes no principal mercado da capital) apostam noutros resultados num totobola do mercado negro (eis o porquê da definição de Totonero), previamente acertados entre máfia, jogadores e dirigentes. A queixa sai cá para fora no dia 23 de Março de 1980, quando a polícia monta uma megaoperação num domingo de futebol com carros de patrulha à porta de cinco estádios. Mal acabam os jogos, 13 jogadores de sete equipas são surpreendidos. As cenas são transmitidas em directo pelo canal público italiano RAI, através do programa 90.º minuto. A rede da máfia é perseguida e detectada (cerca de 3 mil agentes espalhados por todo o país).
Ainda hoje Paolo Rossi é a cara do Totonero. Então com 23 anos, o avançado italiano é suspenso por 23 meses pela justiça desportiva mas sempre reclamou inocência, apoiada nos dois golos marcados em Avellino. É absolvido mais cedo que o previsto, mas não foi a tempo do Euro-80. A sua pena acaba a 30 de Abril de 1982. O que não é pena nenhuma. Rossi ainda faz um golo em três jogos pela Juventus, que o contratara antes do Totonero explodir, e é convocado pelo seleccionador Enzo Bearzot para o Mundial-82, em Espanha, onde passa os primeiros 360 minutos sem um golo para amostra. Alguns avançados controlam jogos, outros impõem-se pelo físico e ainda há os que são habilidosos. "Pablito" não é nenhum desses. É simplesmente um goleador. Sem se mexer por aí além, não convence imprensa e adeptos, ambos já desesperados. Como é que um jogador que está dois anos suspenso por manipular resultados de jogos da sua equipa (Perugia) e de outras na 1.ª divisão pode regressar a dois meses do Mundial, ser convocado e jogar sempre? A pergunta até é pertinente. E merece o reparo do contestado: hat-trick ao Brasil (última jornada da fase de grupos), bis à Polónia (meias-finais) e um golo à RFA (final). É o melhor marcador da competição, com seis golos. Pruzzo vê-os todos em casa, pela televisão.
À resposta do primeiro parágrafo, a Itália é campeã mundial à conta de Enzo Bearzot. O seleccionador italiano é uma figura que só visto. Fala pelos cotovelos, barafusta sozinho, gesticula com todos, menos com os jornalistas. Então, porquê? A squadra é alérgica à imprensa. Desde um célebre particular com o Braga, no 1º de Maio, a 8 de Junho de 1982. Hum? Isso mesmo. Braga de Quinito 0 Itália de Bearzot um. Quem decide é Graziani, ainda na primeira parte, já depois de Tardelli ter acertado na trave à guarda de João. No dia seguinte ao jogo, a imprensa italiana cai em cima da selecção. É só críticas a torto e a direito. Bearzot não faz mais nada: silenzio stampa. E ninguém fala com os jornalistas do início ao fim do Mundial. Quem é a figura desse particular com o Braga? Dito. Porque troca de camisola com Rossi e porque recebe rasgados elogios de Bearzot. "Há muita coisa por afinar mas, calma, ainda estamos a uma semana do arranque do Mundial", diz o seleccionador. "Gostei muito do Braga, jogou de forma competitiva. Gostei sobretudo do líbero Dito." Ah pois é. E o que diz Dito disto?
"Lembro-me desse jogo perfeitamente no final de época. Acabámos o campeonato em sétimo lugar e tínhamos perdido a final da Taça de Portugal para o Sporting. O Quinito, sempre em grande, chegou à fala com o Bearzot e acertou o jogo. A Itália estagiava na Galiza, onde iria jogar durante a fase de grupos no Mundial [Vigo], e lá foi a Braga. O jogo foi engraçado e o beberete também." O quê? "O beberete. Depois do jogo, nas piscinas ao lado do estádio, reunimo-nos todos e falámos sobre tudo. Foi aí que o Quinito veio dizer-me que o Bearzot perguntou por mim, quem era aquele líbero. Nunca passou disso, claro." E mais e mais? "Perdemos 1-0 e é só." Começamos a debitar a equipa bracarense: João, Artur, Dito, Nelito, Guedes, Serra, Vítor Oliveira, Spencer, Malheiro, Chico Faria e Vítor Santos. E a Itália? Dito fala em Zoff, Gentile, Scirea, Tardelli, Conti e Rossi.
Claro, Rossi. "Troquei de camisola com ele." E onde anda ela, a camisola? "Dei-a a um familiar que era maluco pelo Rossi." E o Mundial-82, onde é que o Dito o vê? "Em Benidorme". O quê? Então a Itália joga em Vigo e o Dito vai para o lado oposto? "Ahahahah, é curioso perguntar-me isso até porque um tio meu é director do estádio do Celta Vigo uns 35 anos. Aliás, uma prima minha ainda trabalha no estádio. O legado familiar continua." E continua a rir-se sem parar. "Não fui a Vigo. Podia ter ido, de facto, mas tinha 20 anos e estava de férias. Quer dizer, não me interessava propriamente ficar parado." Quer isso dizer que... "Fui para Benidorme com amigos. Ainda era solteiro, está a ver? Toda a gente de Braga ia para lá e não fui excepção. De carro, eram uns 15/16 horinhas. Aquilo era a loucura, muito, muito diferente de tudo o que se conhecia aqui em Portugal." É em Benidorme que Dito vê a Itália empatar os três jogos da fase de grupos. E depois a gloriosa caminhada rumo ao título de campeã.
http://www.sabado.pt/desporto/euro2016/detalhe/a_italia_1982_esta_no_meio_de_nos.htmlLembro-me perfeitamente de ter visto este jogo. Só tinha ficado com a ideia de que a Itália, futura campeã do mundo, marcara o seu único golo mesmo no final da partida...