(continuação)
-Um mal que veio por bem: da passagem curta no Saint-Étienne à ida para a La Liga ao serviço do Bétis-
«Eu fui para um campeonato espetacular que é a La Liga, jogar contra grandes jogadores como o Cristiano Ronaldo e Messi» Bola na Rede: Segue-se uma passagem curta pelo Saint-Étienne.
Paulão:
Sim, foi… Eu acho que foi mais pela adaptação e também acho que, como eu vou dizer, a falta de interesse minha de encarar as dificuldades. As dificuldades, no momento, esbarrou na adaptação, na língua e eu, como tinha acabado de sair de um momento grandioso como foi o Braga na final da Liga Europa, me senti um pouco orgulhoso de eu estou vindo para cá, eu sou a referência do clube e eu realmente era a referência o clube, porque o clube estava passando por um momento de construção de plantel. Tinha muitos jogadores jovens, tinha o Aubameyang, que hoje é uma referência, tinha o Zouma, que está no Chelsea e tinha 18 anos, tinha Ghoulam que está no Napoles… Assim, eu era uma das referências, era dos mais velhos e foram contratados na época três mais velhos para segurar essa garotada, então, eu realmente fui contratado para ser uma referência do clube, para segurar essa garotada toda e eu cheguei, jogou essa responsabilidade para cima de mim e eu não quis essa responsabilidade de, logo no primeiro ano, ter que aprender essa língua no imediato e eu falo por mim, eu não quis assumir. Queria assumir, mas naturalmente, se acontecesse, deixa acontecer, se não acontecer, tenho um nome forte em Portugal, volto para Portugal… esse era o pensamento na minha cabeça. Um erro muito grande, eu me arrependo por isso e porque eu queria triunfar ali naquele país, porque a equipa era muito grande, tinha uns adeptos incríveis, eu realmente falhei nessa parte. Não porque eles não quiseram, foi porque eu não quis dar o meu máximo ali. Eu achei que o que eu tinha passado no Braga era o suficiente, era pelo nome que eu tinha, era eu consegui isso, então, eu vou jogar na hora que eu quero, também cheguei com essa responsabilidade, com esse peso de “esse veio para jogar, esse veio para assumir”. Acho que, realmente, foi culpa minha de não triunfar naquele clube e a todo o momento eu buscava a possibilidade de sair para outro clube, isso foi a verdade.
Bola na Rede: Apesar de tudo, acabou por não correr assim tão mal, porque depois vais para o Betis e tem uns bons dois anos e meio.
Paulão:
Realmente, foi um mal que se tornou bem. Eu fui para um campeonato espetacular que é a La Liga, jogar contra grandes jogadores como o Cristiano Ronaldo, o Messi, contra equipas como o Atlético de Madrid, o Barcelona, o Real Madrid, são coisas assim… acho que qualquer atleta gostaria de ter pelo menos a oportunidade de sentir esse ambiente, como disputar a Champions League no Braga e de jogar contra esses jogadores, então, acabou que uma coisa má no Saint-Éttiene se tornou numa coisa impressionante que foi essa La Liga.
Bola na Rede: Não é uma liga fácil para os defesas…
Paulão:
Não, não é, nunca. Pode ser, se você está nas grandes equipas como o Real Madrid ou Barcelona, que estão 80% ou 70% atacando. Para essa equipa como o Bétis, a maior parte do tempo está correndo para trás, está correndo atrás dos grandes atacantes, então, a exigência era muito grande e eu, nos dois anos e meio, tirando o último ano que as coisas correram completamente fora do normal para mim, eu sempre fui um dos destaques da equipa.
Bola na Rede: Durante a estadia do Bétis também se naturalizou português.
Paulão:
Sim, foi, agora sou português também.
Bola na Rede: Alguma vez teve o sonho de jogar na seleção?
Paulão:
Não, não. Eu sou muito sincero nas coisas, eu sei que o meu limite não é para isso. Pode ser que, se eu conseguisse chegar numa equipa muito forte, muito poderosa, se tivesse a oportunidade de jogar no SL Benfica como eu tive, no Sporting CP também,… só que as coisas não correram bem. Como o Pepe teve a oportunidade de jogar muitos anos no Porto, depois foi para o Real Madrid, se acontecesse mais ou menos isso, até poderia falar, eu tenho as minhas limitações, mas eu estou tendo uma sequência muito boa, talvez eu poderia ter uma oportunidade de ser convocado, mas eu sabia que, na equipa onde eu estava, poderia fazer chover que as oportunidades seriam mínimas.
Bola na Rede: Na última época no Bétis, jogaste com o guarda redes Adán, que este ano veio para o Sporting, quer-nos falar também um bocadinho dele para os adeptos do Sporting saberem com o que contar?
Paulão:
Esse é espetacular. O Sporting fez uma grande contratação. Depois do Rui Patrício, eu não conheço quem está agora, mas o Adán, sim, pode ser que mudou, mas na época que eu estive lá, é perfeito, esse aí é muito bom mesmo. O Sporting fez uma contração grandiosa, muito bom.
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«Tudo o que eu fiz por esse clube, como fui recebido e depois eles fizeram isso comigo» Bola na Rede: Sobre o período no Bétis, falava-te de uma questão mais negativa, mas que está um pouco atual, que foi aquele jogo com o Sevilha. Como foi viver aquilo e, em termos de reações institucionais, achaste que houve alguma coisa que tenha sido bem feita?
Paulão:
Olha, não precisa de ficar com receio de fazer pergunta, pode fazer qualquer pergunta. Porque eu sei que você pode ter vontade de fazer, mas pode ficar à vontade, pode fazer o que você achar melhor. Aconteceu, realmente. O Bétis vinha nessa fase ruim e esse derby é uma coisa de loucos. No primeiro ano, o Bétis já tinha algum tempo que não ganhava do Sevilla e eu não conhecia o derby e, para mim, era um jogo normal. Fui para o jogo, as pessoas chegaram para mim, é o derby, tem que ganhar, se descer para a segunda divisão está tranquilo, mas eu prefiro ganhar o derby e eu, tá louco esses… e a gente conseguiu ganhar e, depois disso, as pessoas Paulão para cá, Paulão para lá, você é uma máquina e tal. E, para mim, foi mais um jogo normal. Aí, na próxima época, foi o mesmo jogo e as pessoas vieram, só que a situação era diferente, a gente estava mentalmente um pouco abalado pela situação, os adeptos estavam cobrando muito. Na verdade, nós, e eu particularmente, no psicológico já estava apreensivo e um pouco abalado pela situação. E, então, aconteceu aquilo para mim. Eu levei um cartão amarelo, logo em seguida levei um segundo e aconteceu que os adeptos, os próprios adeptos do Bétis, com aquele ato começaram a imitar o macaco. Hoje, eu rio da situação, mas é uma situação muito ruim, muito chata. Porque é uma situação que só quem passa é que consegue sentir, porque as pessoas de fora, ai você não é negro? Está, eu sou negro, mas… as pessoas que passam por isso é que podem descrever realmente a decepção… Eu nem sei bem falar aquilo que a gente sente, é um momento triste, é um momento que a gente não sabe o que fazer, se a gente chora, se a gente sai do campo, se a gente vai lá e começa a brigar com os adeptos e quem ofendeu no momento ou deixa para lá, é uma situação de prostrado mesmo. Eu, só por causa da minha cor, passar uma situação dessa, as pessoas começam a te atingir. Então, eu realmente não sei o que te dizer, mas é uma situação muito triste, não só para mim, mas também a gente começa a pensar na nossa família, nos nossos pais, nos nossos filhos. Olha o que o meu pai está passando, olha o que o meu filho está passando, olha o que o meu marido está passando… Será que ele merece isso depois de tudo o que ele fez pelo clube, baixou o salário – isso ninguém sabe -, tudo o que ele passou desde a infância, isso ninguém sabe… Também porque as pessoas vão pela paixão ao clube e acham que a gente está ali e quer ser expulso ou quer falhar, as pessoas acham isso. Mas, não é isso, a gente está ali para dar o melhor da gente, está ali para conquistar coisas para a nossa família que deixamos no Brasil, só que as pessoas não pensam nisso. Eu entendo isso, eu entendo também o lado deles, porque é a emoção e isso, mas para a gente… é uma coisa muito ruim, sabe? Eu não desejo isso para ninguém. O que eu senti, eu realmente não desejo isso para ninguém, porque, até hoje, eu, às vezes, me sinto… Tudo o que eu fiz por esse clube, como fui recebido e depois eles fizeram isso comigo… mas, é como se diz, tem que virar a página e ficar sempre pensando no melhor, no que vem.
Bola na Rede: Ainda sobre este tema, na altura até o próprio Presidente da FIFA comentou a situação, mas vimos esse caso e vimos muitos outros, até com jogadores de alta notoriedade como o Neymar, e a sensação que fica é que acaba por haver sempre muita impunidade. Fala-se muito, critica-se muito, mas acaba por nunca se fazer nada.
Paulão:
Olha, José, isso não vai acabar, infelizmente, isso não vai acabar. Eu penso que, a partir do momento que deixar de falar sobre isso, eu acho que… está, racismo, ok, mas a gente vai fazer o quê? Tem que conviver com isso e, a partir do momento que a gente deixar de falar… ou passar a punir realmente, então, as pessoas vão começar a dizer “houve ali uma punição grande, houve uma punição ali que foi considerado” ou então deixar de falar: chamou, teve um ato de racismo, vamos deixar, vamos ignorar. Talvez aí, sim, as pessoas, “eles já não ligam mais, então vamos parar de falar”. Mas, não tem jeito, isso não vai acabar. Isso é aqui no Brasil, é em Espanha, é em Portugal, é em todo o lado, então, é assim, cabe à gente que realmente é negro tentar contornar a situação, sabendo que uns vai sentir mais que os outros. Agora, isso do Presidente da FIFA, falar “ah eu condeno”… e aí? Condena, está, você está falando, mas, e aí? Acho que é um pouco vago, isso, não é? Vou falar aqui para as pessoas ver que eu não sou de acordo com isso. Está, você não é de acordo, mas e a punição? Não tem punição. Vamos parar de falar? Não vamos. Vamos ficar calados? Aí fica difícil, sabe? Como te falei, só quem passa sabe qual é o sentimento, mas te dizer o que tem de fazer para mudar isso, eu acho difícil.
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«Eu precisava mudar de ares para conseguir retornar no futebol»Bola na Rede: Voltando ao futebol, depois de estares a jogar numa das melhores ligas do mundo, vais para a segunda liga mexicana. Como surgiu essa mudança tão radical?
Paulão:
Eu vou te falar, foi mais do que aconteceu comigo lá no Bétis. Eu falei para sair e todas essas coisas e foi algo que repercutiu no mundo inteiro. Não foi minha intenção. Na verdade, algumas pessoas chegaram para mim e disseram, Paulão você foi muito corajoso de dizer isso. Eu não, não fui corajoso, sempre fui assim, fui sincero e eu sabia que eu não podia mais ali, eu não podia mais no próximo lance chocar com um companheiro, pôr a mão na perna e dizer me tira daqui. Foi uma situação normal para mim, eu sou muito sincero, eu me conheço e disse me tira daqui, porque senão eu vou ***** isso aqui a partida toda, porque eu me conheço psicologicamente. Tem muitos jogadores que conseguem dar a volta a uma situação como essa, mas, no momento eu sabia que eu não conseguia, então, eu esperei do clube, esperei da imprensa, um apoio, mas só o fez negativamente. Porque ninguém é destaque fazendo coisa boa, é destaque, mas a coisa já passa rápido. Mas, o que para vende para vocês, infelizmente, é as coisas ruins que acontecem no futebol, que vai repercutir mais, que as pessoas vão comentar mais para a mídia, não é? Então, naquele momento que o Bétis estava passando, era perfeito, porque aí escondia muitas coisas que o clube estava fazendo de errado, então, opa, achamos uma aqui: é o Paulão, bora! E foi conversado e conversado e isso os clubes, no meu entender, ai não esse jogador, não, aconteceu isso e tal e aí foi desaparecendo os clubes e acabou que apareceu esse no México, um clube que hoje que está na Primeira Divisão. Eu precisava mudar de ares, para conseguir retornar no futebol, eu precisava mudar de ares, eu precisava sair da Europa, porque na Europa, realmente… porque também teve clubes na Espanha, mas era clubes oferecendo coisas que, nossa, será que eu mereço isso neste momento? E, então, surgiu essa oportunidade e falei, eu vou, eu vou sair da Europa, vou para o país onde ninguém me vê e tentar dar esse start de novo na minha carreira e foi isso que eu fiz. Eu fui para lá e consegui ainda chegar na final para a gente subir. E, depois, eu comecei realmente a desmotivar para o futebol, mais para essa situação, o clube queria que eu renovasse com eles, surgiu outras oportunidades, também o voltar para a Europa e eu foi deixando, falei vou ficar em casa um pouco e quando acordei já tinha passado um ano e meio. Falei, eu preciso de voltar a jogar, não consigo ficar mais em casa. Aí já era tarde de mais. Aí apareceu o Olhanense, mas o Olhanense estava numa situação em que acho que nem Messi conseguia recuperar aquela equipa. E foi aí que eu decidi, eu vou parar. Não queria, não queria parar, me retirar, mas vou parar. Isso tudo culpa minha, isso tudo não é culpa de ninguém, sabe, foi um conjunto de má decisões e aconteceu isso. Mas, o México foi uma experiência muito boa, eu gostei bastante. É bastante diferente o futebol, mas é um país muito bom, o clube também tinha uma estrutura boa, uns companheiros muito bons, tenho ainda amigos ali e eu gostei, a experiência, realmente, eu gostei.
Bola na Rede: No pós-carreira, voltaste para o Brasil e agora é agente.
Paulão:
Pois é. É uma coisa de louco, mas eu falo agente, mas eu estou no início, estou bem no início ainda, mas estou me dedicando, eu estou estudando, não é entrar de qualquer maneira, de achar que fui jogador, vou conseguir fazer isso aqui. Não, é um mercado muito difícil, é um mercado que você precisa realmente ter um jogo de cintura tremendo. É um mercado que eu preciso entrar, mas preciso entrar na matéria correta, da maneira que tem que ser.
Bola na Rede: Para a acabar, umas perguntas mais leves. Durante a carreira tinhas algum ritual?
Paulão:
Ritual, não. Ritual, como tem alguns que dá três pulos e assim, não. Bem, no início da minha carreia, eu tinha alguns, eu fazia algumas coisas, mas depois que eu me converti, eu virei evangélico, eu vi que não tem nada disso, o que tem é o trabalho que você faz durante a semana. Claro que você vai sempre pedindo para Deus que você não se lesione, só que do outro lado também tem gente que está pedindo por eles, está pedindo para a vitória… e eu parei com essas coisas e falei para mim, não, isso é o meu trabalho durante a semana que eu tenho que transferir para o jogo, não vai passar disso, mas, claro que um outro jogador vai estar no lugar certo, vai fazer um golo, outro vai falhar, mas isso é coisa do jogo, acontece aqui, acontece na China, acontece em todo o mundo, o jogo não vai mudar só porque você tem um ritual de coçar a cabeça três vezes antes de entrar, não é Isso depende do dia em que você acorda, tem dia em que você também acorda e que nada dá certo, em que não quer fazer nada e os jogadores também têm isso, têm dias que você pega na bola cinco vezes, erra sete e tem dias em que você faz coisas que até fala “ah mas isso eu nunca fiz, eu nunca consegui fazer isso” e as coisas saem naturalmente. Então, eu tinha no início, mas depois eu vi que isso é coisa da minha cabeça, isso não vai mudar nada.
Bola na Rede: Durante a carreira, jogando nalgumas das melhores Ligas do mundo, apareceu em vários videojogos. Alguma vez jogou FIFA sendo o Paulão?
Paulão:
Lógico. Isso é automático, sou titular e sou o capitão ainda. Isso acho que a maioria dos jogadores faz, também para conferir se as qualidades e as habilidades estão lá no jogo também.
Bola na Rede: E eras bem avaliado?
Paulão:
Sim, era, no Bétis, principalmente, era bem avaliado.
Bola na Rede: E planos para o futuro?
Paulão:
É trabalhar como agente. Eu estou apostando nos jovens. Eu sou sócio dum clube aqui no Brasil, um clube profissional em que a gente trabalha com os atletas mais jovens para preparar esses jovens, com metodologia que eu tenho da Europa e a gente começa a encaixar esses jovens, os que se destacam, nos clubes maiores e a gente consegue ficar com um percentual e é assim que a gente trabalha. Aqui no Brasil, a gente já tem entrada nalguns clubes grandes e o meu objetivo agora é começar a levar esses jovens acima de 18 anos para Portugal, porque no Brasil tem muitos jovens com muita qualidade e nem sempre têm a oportunidade. E há jovens que, não tendo essa oportunidade, estão indo para o mundo da droga, de ser traficante, e isso porque não está recebendo essa oportunidade e, então, nós estamos com esse clube, estamos fazendo um trabalho nesse sentido e, graças a Deus, já está dando fruto, mas eu quero agora já começar a levar para a Europa esses atletas, para que eles consigam também fazer carreira na Europa e seguir nessa linha e a gente está usando também esse clube para formar o próprio atleta nosso.
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