Caminhava de cabeça levantada. Avançava a custo, de frente para a multidão de domingo à tarde, que deambulava perdida entre centros comerciais e lojas de ocasião. Levava consigo o sonho e a paixão, escondida por detrás daquele enfado de um relógio que fingia avançar. Firme, rasgava a multidão que estreitava a rua do Souto à sua frente; rostos que cruzavam o seu olhar, rostos estranhos, inexpressivos, mundos misteriosos mas tão indiferentes… gelados! No meio daquele mar de nada, restava ele e a sua paixão, enfrentado o mundo. No seu cérebro, um único rei e senhor: o Braga, que joga mais logo, quase de noite, e ele ali, à espera que o mundo saísse da sua frente e o deixasse morder o tempo, arrancar as horas ao devir.
Estúpida, a vida! - dizia para consigo. Porque ninguém entende este sentir; tantos rostos, tantas vidas ocas que enganam o tédio entre lojas e ele é o único que vai em sentido contrário, à procura de um sonho. Cavalheiros de fato domingueiro, senhoras pintadas de fresco, moçoilas casadoiras exibindo decotes sedutores… mas o sonho é além… basta apenas enganar mais duas horas. Mais um pouco, só mais um bocadinho e o autocarro dos TUB levá-lo-á à pedreira, onde a vida recomeçará, onde tudo fará sentido.
É assim o mundo de quem vive esta coisa absurda e estranha que é a bola; mundo que não vem da inteligência nem se rege pela lógica. Um mundo que só tem sentido dentro do peito; um cosmos inteiro que, por momentos, preenche todo o espaço que há em nós para sermos felizes.
Há sonhos assim, reinos sem sentido aos olhos vulgares de quem vive apenas o que é normal.
Para uns, ele é um lírico e o seu sonho é visto como sandice de lunático. Para outros, ele é o idiota tresloucado, de cabeça oca, desprovido de massa cinzenta. Os doutores dizem que o futebol é coisa de tolos como ele; os senhores da boa moral, donos da verdade, acham que a bola é negócio de mafiosos e os arautos do fim do mundo garantem que o estádio é mundo de pecadores arruaceiros, malcriados que só lá iam à bordoada.
Mas ele sabe que não é assim; ele sabe que o vício da bola é apenas o recanto de emoção capaz de lhe preencher aquele pedaço de vida que fica para lá da escravidão do dia a dia. Aquele é um mundo à parte, onde não há medo nem tristeza, desassossego nem preocupação.
De má vontade, o relógio avançou. A pedreira está, finalmente à sua frente. O estádio tira-lhe o ar quando olha, pequenino, a majestade daquela pedra dura que lhe amolece o coração. As cadeiras, ainda vazias, esperam outras almas como a dele. Aos poucos, a pedreira vai começando a fervilhar de uma ansiedade quase feliz, feita de milhares de almas que se aquecem na fogueira da paixão. Os jogadores entram em campo; a pele arrepia-se e o coração aperta; o orgulho braguista transborda e o universo inteiro ganha sentido. O mundo segue agora ao ritmo do Hino. De repente tudo se cala. O Universo inteiro parou.
Duas horas depois tudo já está acabado. O peito enche-se de um vazio doloroso. Para casa leva a tristeza de mais uma derrota, mas leva também uma força extraordinária e misteriosa que o atrairá de volta à pedra fria. É isto que ninguém quer entender: aquela força que o fará voltar não vem de ganhar; vem de viver! Aquela vontade de voltar sempre, sempre, sempre!...
Quem, realmente, sente o que é seu, a sua cidade, o seu povo, a sua alma, não vive para ganhar; sofre para viver; para que as vitórias o encham de orgulho e as derrotas lhe reforcem o amor a este pedaço de mundo que os bravos brácaros amaram como ele.
Estúpida, a vida! - dizia para consigo. Porque ninguém entende este sentir; tantos rostos, tantas vidas ocas que enganam o tédio entre lojas e ele é o único que vai em sentido contrário, à procura de um sonho. Cavalheiros de fato domingueiro, senhoras pintadas de fresco, moçoilas casadoiras exibindo decotes sedutores… mas o sonho é além… basta apenas enganar mais duas horas. Mais um pouco, só mais um bocadinho e o autocarro dos TUB levá-lo-á à pedreira, onde a vida recomeçará, onde tudo fará sentido.
É assim o mundo de quem vive esta coisa absurda e estranha que é a bola; mundo que não vem da inteligência nem se rege pela lógica. Um mundo que só tem sentido dentro do peito; um cosmos inteiro que, por momentos, preenche todo o espaço que há em nós para sermos felizes.
Há sonhos assim, reinos sem sentido aos olhos vulgares de quem vive apenas o que é normal.
Para uns, ele é um lírico e o seu sonho é visto como sandice de lunático. Para outros, ele é o idiota tresloucado, de cabeça oca, desprovido de massa cinzenta. Os doutores dizem que o futebol é coisa de tolos como ele; os senhores da boa moral, donos da verdade, acham que a bola é negócio de mafiosos e os arautos do fim do mundo garantem que o estádio é mundo de pecadores arruaceiros, malcriados que só lá iam à bordoada.
Mas ele sabe que não é assim; ele sabe que o vício da bola é apenas o recanto de emoção capaz de lhe preencher aquele pedaço de vida que fica para lá da escravidão do dia a dia. Aquele é um mundo à parte, onde não há medo nem tristeza, desassossego nem preocupação.
De má vontade, o relógio avançou. A pedreira está, finalmente à sua frente. O estádio tira-lhe o ar quando olha, pequenino, a majestade daquela pedra dura que lhe amolece o coração. As cadeiras, ainda vazias, esperam outras almas como a dele. Aos poucos, a pedreira vai começando a fervilhar de uma ansiedade quase feliz, feita de milhares de almas que se aquecem na fogueira da paixão. Os jogadores entram em campo; a pele arrepia-se e o coração aperta; o orgulho braguista transborda e o universo inteiro ganha sentido. O mundo segue agora ao ritmo do Hino. De repente tudo se cala. O Universo inteiro parou.
Duas horas depois tudo já está acabado. O peito enche-se de um vazio doloroso. Para casa leva a tristeza de mais uma derrota, mas leva também uma força extraordinária e misteriosa que o atrairá de volta à pedra fria. É isto que ninguém quer entender: aquela força que o fará voltar não vem de ganhar; vem de viver! Aquela vontade de voltar sempre, sempre, sempre!...
Quem, realmente, sente o que é seu, a sua cidade, o seu povo, a sua alma, não vive para ganhar; sofre para viver; para que as vitórias o encham de orgulho e as derrotas lhe reforcem o amor a este pedaço de mundo que os bravos brácaros amaram como ele.