Coloquei este post noutro tópico por engano. Faz mais sentido neste.
Uma das razões do nosso sucesso no Futebol Feminino.
Entrevista da SofiaTeles ao Expresso:
"No seu segundo ano como diretora do futebol feminino do Sporting de Braga, Sofia Teles viu a equipa minhota roubar o título ao Sporting, depois de já ter erguido a Supertaça no dealbar da época. Para o ano, com a chegada do Benfica, antecipa uma Liga BPI mais complicada, mas nada que intimide a advogada que trocou os tribunais pelo dirigismo de uma modalidade que ainda bate o pé para ser levada a sério. Aos 33 anos, nega ser (muito) refilona com as árbitras e diz não ter ficado surpreendida com a renúncia ao Mundial (que decorre até 7 de julho, em França) de Ada Hegerberg, a primeira Bola de Ouro feminina: “Às vezes é preciso agitar as águas para haver mudanças”
ISABEL PAULO
20.06.2019 ÀS 7H00
Sofia Teles é diretora do futebol feminino do Sporting de Braga desde 2017/18
HUGO DELGADO
"Viveu dividida entre os compêndios de Direito e o futebol até ser adulta.
Sim, pode dizer-se que sim. O meu percurso no futebol é um bocadinho fora do normal. Estudei, fiz estágio de advocacia e estava a fazer o mestrado quando decidi que queria começar a jogar futebol de forma mais séria. Joguei cinco anos, mas o futebol foi uma paixão desde sempre. Comecei por jogar com os meus amigos e primos e assisti, desde pequena, a muitos jogos. Prática a sério nunca tive, só mais tarde e numa altura em que o futebol feminino não era o que é agora. Jogava ao final do dia e ao fim de semana. E só se fazia dois ou três treinos por semana.
Começou no Valadares Gaia?
Acabei no Valadares. O meu primeiro clube foi o Salgueiros 08 e depois passei pelos Incansáveis de Gaia. No Valadares iniciei um projeto com mais quatro colegas. Fazíamos uns jogos, até que o presidente do Valadares nos lançou o desafio de formar uma equipa de futebol feminino. Fizeram-se captações e apareceram muitas raparigas. O projeto deu um salto maior quando nos juntámos com uma equipa da zona de Braga e foram para lá a Edite [Fernandes], a Carla Couto, a Mara [Vieira]. Foi sucesso desportivo imediato. Na altura estávamos na II Divisão, subimos na mesma época e fomos à final da Taça de Portugal. Acho que foi a primeira vez que uma equipa da II Divisão foi à final. E, a partir daí, o Valadares manteve-se sempre na I Divisão. A par disso, já estava a estagiar num escritório de advocacia no Porto, com o Dr. Paulo Pimenta, que é agora presidente do Conselho Regional do Porto. E depois fiquei lá a trabalhar...
Ainda trabalhou na Liga Portuguesa de Futebol.
Estive quase um ano a trabalhar no departamento jurídico da Liga e dava apoio ao departamento de competições.
Fez o curso de treinadora?
Não, nunca quis ser treinadora. Nunca me motivou. Gosto mais da parte administrativa e de fazer as coisas acontecerem, de uma forma diferente daquela dos treinadores. Gosto dos bastidores e da gestão estratégica fora das quatro linhas.
É a única diretora mulher?
Não. Há a Ana Filipa [Godinho] no Benfica, a Conceição [Pereira] no Ouriense e também havia a Raquel [Sampaio] no Sporting, que entretanto saiu. Há a Mónica Jorge na seleção. Já não somos uma raridade.
A Sofia e a família são salgueiristas?
Joguei lá porque era perto de casa. Sou do Braga.
Há quanto tempo?
É o meu segundo ano de Braga.
Como encarava a família a sua vontade de jogar futebol?
A paixão era só minha, em minha casa ninguém gosta de futebol, nem a minha irmã. Mas encaravam com naturalidade, apesar de haver algum receio de que me magoasse. Há sempre esse receio quando as meninas começam a jogar. É um desporto como outro qualquer, não se pode ter esses medos.
Então não houve resistência...
Quando era mais novinha também havia um certo preconceito por ser rapariga. Principalmente por parte da minha avó, que me tentava dar bonecas para brincar, mas depressa percebeu que não valia a pena.
Tem 33 anos. Nota que já há uma abertura de mentalidades em relação às mulheres no futebol, desde que começou a jogar?
Ainda há algum preconceito e resistência, embora exista, felizmente, uma maior aposta e incentivo, tanto em termos nacionais como internacionais. E isso vai-se refletindo na adesão cada vez maior das mulheres, não só no futebol feminino, mas também no masculino. O caminho é por aí: ir quebrando barreiras e ganhando espaço.
Quando diz que ainda há resistência, é por uma questão cultural?
É uma questão de mentalidade. E quanto mais cedo se fizer essa mudança de mentalidade nas gerações mais novas, mais depressa cairão as resistências até ser uma escolha natural. Este é também o nosso trabalho aqui em Braga, o de uma maior ligação às escolas, para que no futuro rapazes e raparigas percebem que o futebol é para todos, não é uma modalidade de género. Estamos todos no mesmo barco, que é o futebol.
Que tipo de ações fazem nas escolas?
Fazemos visitas com as jogadoras e jogadores, falamos com os alunos, fazem perguntas, damos respostas.
Têm quantas equipas? Quantas atletas move o futebol feminino do Sporting de Braga?
Em competição, temos três equipas: a A, B e a de sub-19. Somos 66. E também temos algumas meninas na formação a treinar com os rapazes, outras numa equipa só de raparigas. Na formação, o número de praticantes entre eles e elas ainda é muito diferente, embora a adesão tenha vindo a crescer. Teremos 30 das sub-13 para baixo. Parece pouco mas já é significativo.
O Sporting de Braga sagrou-se campeão nacional de futebol feminino pela primeira vez em 2018/19
DR
Já recebeu convites do Sporting e Benfica para ser diretora?
Não. Não recebi.
Tem fama de ser refilona com as árbitras...
Não sou nada [risos]. Não refilo muito, expresso o meu ponto de vista. Falo com elas, mas com muito respeito. Tenho muito respeito pelas equipas de arbitragem.
Nunca foi expulsa?
Uma vez, no Valadares, mas nem sequer foi pelo que disse, foi por ter aberto os braços.
Como jogadora?
Não, já era diretora. Houve um lance, o fiscal de linha marcou fora de jogo, abri os braços e disse que não era fora de jogo. E a árbitro disse que me expulsava, e expulsou.
Não o insultou?
De forma nenhuma. O caminho não é esse. Estamos todas a trabalhar para o mesmo.
Há que marcar a diferença em relação ao futebol masculino?
Temos de ser muito diferentes no futebol feminino a esse nível. Acho que as pessoas estão um bocado saturadas de algumas coisas no futebol. É preciso fazer diferente para atrair mais gente ao futebol feminino.
Os adeptos estão fartos de desculpas, que as culpas sejam sempre dos árbitros...
Estão fartos das polémicas. As pessoas estão cansadas. Temos boas equipas, bons jogadores em Portugal e os estádios infelizmente não estão cheios. E deviam estar. Se pudermos oferecer algo de diferente, por que não? A nossa aposta é num futebol mais positivo.
Qual é a vossa assistência média?
Em casa, aumentámos um bocadinho. Entre os 300 a 500 adeptos. Nos jogos mais mediáticos, contra o Sporting ou o Benfica, os números são muito superiores. No jogo em casa contra o Benfica, estiveram cá cerca de 5000 pessoas; com o Sporting, no último jogo do campeonato, também mais de 4000.
Mais do que em alguns jogos da Liga NOS.
Sim, daí dizer que há saturação. É preciso o futebol voltar a ser mais puro.
Como preparou o Sporting de Braga a época para roubar o título ao Sporting?
Com tranquilidade. Nos últimos anos, o Braga andou muito perto de ganhar. Este ano conseguimos juntar um conjunto de jogadoras que tinham caraterísticas importantes para conseguirmos vencer os títulos...
HUGO DELGADO
Perderam algumas jogadoras na época passada...
Saíram algumas e tivemos de ir ao mercado. Não há fórmulas milagrosas de ganhar títulos.
Têm nove estrangeiras.
Tivemos de ir buscar lá fora porque infelizmente em Portugal o mercado ainda é muito curto. O nosso campo de recrutamento não é vasto, nem há muitas jogadoras com qualidade. Mas a nossa aposta não é em jogadoras estrangeiras, até porque o nosso plantel é composto maioritariamente por atletas portuguesas.
A base é curta devido a uma aposta tardia na formação ou porque há muitas atletas a irem para o estrangeiro?
A aposta forte na formação é recente, mas agora até há várias atletas que foram para o estrangeiro e regressaram a Portugal, com a entrada do Sporting, do Braga e agora com o Benfica. Saíam por falta de projetos e de condições financeiras e competitivas aliciantes para elas. A Cláudia Neto, do Wolsburgo, ainda está lá fora. E a Dolores [Silva], que esteve cá, foi para o Atlético de Madrid. Portugal só há pouco começou a apostar forte no futebol feminino, mas as coisas estão a mudar também com o impulso da FPF [Federação Portuguesa de Futebol]. Não são os primeiros passos, mas os frutos não se colhem de imediato.
A Dolores Silva, campeã nacional em Espanha, disse numa entrevista à Tribuna Expresso que o futebol feminino está numa fase de revolução, apesar de longe de ter um tratamento de igualdade em relação ao masculino.
É uma verdade de La Palisse. A projeção do futebool masculino ainda está a anos luz do feminino. A Liga BPI tem 12 equipas, mas apenas há três equipas profissionais no nosso país: Sporting, Braga e Benfica.
Dedicam-se exclusivamente ao futebol?
No Sporting de Braga, algumas estudam, mas a maioria tem por única atividade o futebol.
Quanto ganham em média?
O suficiente para viverem da atividade. Em termos desportivos até é bom que não tenham outra atividade profissional, porque acabam por se dispersar e cansar-se, o que afeta o rendimento competitivo. Mas incentivamos o mais possível as que estudam a concluir os cursos.
Qual é o salário médio no futebol feminino?
Não posso dizer...
O médio, não os máximos...
Não conheço os contratos salariais de todos as jogadoras, nem de todos os clubes, mas talvez rondem em média os €1000.
Ronda os dois salários mínimos...
Com picos para cima e para baixo.
Sentiu como um falhanço terem perdido a 2ª mão das meias-finais da Taça de Portugal com o Benfica, em casa, depois de terem vencido a 1ª mão, fora de casa? Estavam demasiado focadas na prioridade, que era a campeonato?
Esta época tínhamos três objetivos: ganhar a Supertaça, o campeonato e a Taça de Portugal. Concretizámos dois dos objetivos e falhámos um. Não considero que tenha sido um falhanço, mas é óbvio que nos deixou tristes, embora tenha sido uma época muito boa.
RODRIGO ANTUNES/LUSA
Na próxima época quem acha que será o principal adversário, Sporting ou Benfica?