É de setembro mas passou-me ao lado, e não sei se chegou a ser postada por aqui.
Vanessa Marques, a “princesinha” do Sporting de Braga: “Quando jogava com os rapazes, os pais mandavam bocas, para eles nos irem às pernas”Aos 22 anos, Vanessa Marques é a capitã do Sporting de Braga, vencedora da Supertaça de Portugal frente às "leoas" campeãs nacionais, suas némesis. No dia em que arranca a Liga BPI de futebol feminino, frente ao A-dos-Francos, a média ofensiva, pioneira das Guerreiras do Minho, acredita que o título nacional está mais perto e elogia o presidente António Salvador pelo apoio incondicional a uma modalidade que tem derrubado preconceitos e conquistado cada vez mais adeptos. A dar o salto, gostava de jogar na equipa do Lyon, a sua cidade natal, mas "só se compensar mesmo" o afastamento da mãe, de quem é muito próxima - já rejeitou um convite para se mudar para o Benfica. Os longos cabelos loiros valeram-lhe a alcunha de "princesinha" na seleção. E ela gostaISABEL PAULO 16.09.2018 ÀS 10H00
Quantos anos tinha quando começou a jogar futebol?Por volta dos quatro anos, na rua, com a minha irmã mais velha, o meu irmão mais novo e amigos.
Em Lyon, onde nasceu, ou já em Braga?Foi na altura em que a minha família regressou a Braga. Depois fui para o Clube dos Caçadores das Taipas, onde joguei com os meus irmãos numa equipa mista.
Fala francês?Sim. Nunca esqueci e vou lá com alguma frequência visitar familiares, espalhados por Paris, Lyon e Mónaco.
Alguma vez pensou jogar pela seleção francesa?A viver cá, nunca pensei nisso. Como a minha primeira internacionalização foi aos 14 anos, nunca equacionei sequer representar uma seleção que não a portuguesa. E aos 15 anos já jogava pela seleção A, um marco e um sonho na carreira de qualquer atleta.
Há quantos anos está no Sporting de Braga?Há três anos, desde o início do projeto do futebol femininino. A minha primeira equipa feminina foi nos Sandinenses, onde já estava a minha irmã...
Jogava a avançada e entretanto passou a média...Sempre joguei a avançada ou a média ofensiva. Na seleção, o selecionador já me colocou em diferentes posições, mas a minha posição de raiz é média ofensiva, no apoio ao ataque a servir as colegas. E também a marcar golos.
E os irmãos?Defesas, sempre fui a mais goleadora.
Se pudesse, gostava de jogar no Lyon, que tem uma das melhores equipas do mundo?Sem dúvida nenhuma. Era um sonho. Um dos meus objetivos é jogar lá fora, mesmo sabendo o quanto custa estar longe da família.
Nunca foi jogar para fora por falta de convites ou porque é muito menina da mamã?É verdade que sou muito ligada à minha mãe. Convites já tive muitos, desde os EUA, Espanha, Itália, França. Nunca me puxou porque as condições propostas não valiam a pena. Outro motivo é de facto ter um relacionamento muito forte com a minha mãe e irmão. Há coisas que o dinheiro não paga. Terá de ser um convite que compense mesmo o sacrifício. Mas, se acontecer, sei que a família vai apoiar-me.
Assistem aos seus jogos?Sempre. A minha mãe sempre me deu o maior apoio e sou-lhe muito grata por isso. E os meus irmãos também, quer sejam jogos do clube ou da seleção estão sempre presentes na bancada. Fico sempre emocionada quando entro em campo e sei que estão lá ao meu lado...
A sua mãe nunca temeu que se lesionassem ou que as filhas ficassem mal vistas por jogarem futebol?A mentalidade mudou muito nos últimos anos. Há muito menos preconceito mas ainda falta fazer alguns progressos. A minha mãe nunca nos colocou entraves, bem pelo contrário. Talvez por ter vivido em França sempre teve uma mentalidade aberta...
O que faz?É cabeleireira, conviveu e convive com muita gente e com muitas situações. Ainda se fala pouco de futebol feminino em Portugal, mas as coisas estão a mudar com a aposta dos grandes e de clubes com a dimensão do Braga. Ganhou outra visibilidade.
Na seleção é chamada de "princesa". Por ser loira?Acho que por ser loira, sim [risos].
Quem lhe pôs a alcunha?A professora Marisa, depois as minhas colegas, a Norton e a Fátima, também me começaram a chamar "princesinha". E ficou.
Está a estudar?
Terminei o 12º ano em Línguas e Humanidades e entrei agora na Universidade do Minho, em Ciências da Comunicação.
Sendo profissional, acha que vai conseguir conciliar treinos e aulas?Não vai ser fácil, mas quando se quer muito alguma coisa na vida todo o sacrifício vale a pena. Tenho o estatuto de atleta de Alto Rendimento, mas funciona mais a nível de seleção. Mas acho que vou conseguir conciliar as duas coisas .
Quer ser jornalista na área do desporto?Sempre quis ter formação na área do desporto, mas não tenho vocação para professora, o que me fez optar pela área da comunicação, de preferência em televisão. Mas não se pode fechar portas a nada. O importante é preparar-me para o pós futebol, pois não se pode comparar a realidade do futebol feminino com o masculino. Apesar de toda a evolução que tem tido o futebol feminino, não dá para acautelar o futuro depois dos 30 ou 30 e tal anos.
Financeiramente, vale a pena ser jogadora de futebol em Portugal?Quando se faz as coisas por gosto, vale a pena. Quando comecei, eu pagava para jogar. Agora o Sporting de Braga tem apostado muito na modalidade, tanto na equipa principal como na B e de sub-19. Por isso, gostava de dar uma palavra de apreço ao presidente [António Salvador] por nenhum clube ter tantas condições como o nosso.
Nem o Sporting ou o Benfica?O que sei é que temos tudo, desde fisioterapeutas, diretores, técnico de equipamentos, motorista. Somos umas sortudas por jogar aqui. Falta-nos agora conquistar mais títulos. E a relação do presidente com a equipa é muito boa. Esteve presente em todas as finais e em jogos quando pode. É a cara do clube.
António Salvador fez-vos elogios mas disse que espera que a Supertaça seja o primeiro troféu de muitos. Esta vitória criou pressão?É uma pressão positiva. Num clube como o Braga, a meta é conquistar títulos, por isso o que disse o presidente não é para nós um desafio novo. Foi muito bom trazer para a Braga a Supertaça, mas já estamos a pensar no título nacional. É com esse objetivo que iniciamos o campeonato frente ao A-dos-Francos.
O Braga tinha perdido cinco jogos e empatado dois com o Sporting, até vencerem agora, em Viseu, nos penáltis. Era já uma questão de bloqueio psicológico?Não. Aqui encaramos qualquer equipa com os mesmos olhos e a mesma confiança. Não havia bloqueio, pois sabíamos que mais cedo ou mais tarde a sorte ia sorrir para o nosso lado. Claro que mexe ter perdido a Taça de Portugal com um golo duvidoso anulado, mas sempre tivemos as pessoas que importam do nosso lado, dos adeptos aos técnicos e dirigentes.
Na Supertaça, antes dos penáltis, falaram umas com as outras e riram-se. O que diziam?Estávamos a dar força umas às outras. A dizer chegou a hora, temos de acreditar no que temos vindo a fazer...
E o treinador?A mensagem foi que tínhamos de acreditar que era possível, Conhecia as nossas capacidades e da equipa, que foi ele que a formou. Somos uma equipa completamente nova esta época. É muito importante para nós saber que o treinador acredita que somos capazes.
Qual é a diferença entre o trabalho do vosso treinador, Miguel Santos, e o do anterior, João Marques, agora técnico do Benfica?São diferentes. Não se podem comparar. Cada um tem a sua metodologia de treino e de se dirigir as atletas.
Houve várias jogadoras que foram para o Benfica, como a Sílvia Rebelo, a Pauleta, a Queiroga e a Adriana. Também foi convidada?Sim, como outras atletas. Mas estou aqui desde início do projeto, sou das jogadoras mais antigas e pela aposta que o clube tem feito decidi continuar. É um projeto em que acredito.
As que saíram foram tituladas de "desertoras", por terem ido para Lisboa. Ficaram magoadas com elas?Não. É uma questão de escolha de cada jogadora. É normal. Quem somos nós para julgar as opções delas? Cada uma segue o seu caminho. Até porque enquanto estiveram cá, representaram o clube com dignidade. É essa a nossa vida.
Tem 22 anos e já é capitã...Foi uma decisão do treinador, talvez por ser uma das jogadoras mais antigas. É uma honra enorme poder transmitir as ideias e mística do clube a quem chega. A troca de ideias no balneário é muito importante.
O Sporting de Braga tem nove jogadoras estrangeiras. É benéfico uma equipa ter tantas estrangeiras ou retira oportunidades às jogadoras da casa mais novas?Se quisermos evoluir e sermos conhecidas, há mais chance de evoluir com jogadoras mais experientes. É normal, nos outros país isso também acontece. Eleva o nível. Se mais tarde tivermos mais portuguesas, melhor. É preciso ver etapa a etapa.
Como é que os portugueses olham para o futebol feminino? Há muita gente a assistir?Já é visto de maneira diferente. E ter constatado isso ao longo dos anos é uma enorme felicidade. Neste jogo da Supertaça, as bancadas do Braga e do Sporting estavam cheias. É um feito. Antigamente era um ou dois pais, mais um ou outro familiar ou amigo. Agora até recebemos mensagens de apoio de pessoas que nem conhecemos.
Teve alguma situação desagradável durante os seus primeiros anos?Quando jogava com os rapazes, os colegas sempre me respeitaram e era sempre das primeiras a ser escolhida. Já os pais de alguns rapazes, mandavam algumas bocas, tipo "maria rapaz", e outros nomes. E instigavam: "Olha, não tens vergonha de ter levado uma 'coxa' da rapariga... vai-lhe às pernas, parte-lhe as pernas". Na altura, era injusto. Éramos crianças e queríamos divertir-nos sem olhar a géneros. Mas da parte das bancadas, sempre fui bem acolhida em todos os clubes por que passei.
Este ano têm mais hipóteses de vencerem o campeonato pelo facto de o Benfica estar na II Divisão?Com ou sem Benfica, temos grandes probabilidade de ser campeãs.
O futebol feminino tem crescido muito em número de atletas federadas tanto a nível nacional como internacional. A que se deve a adesão e maior popularidade?À aposta dos clubes e ao facto de os grandes e o Sporting de Braga terem aderido à modalidade. Mas não podemos também esquecer o papel dos clubes mais pequenos: todas nós passámos por clubes não profissionais. E, por outro lado, deixou de haver tanto preconceito, além de ter ganho visibilidade com a transmissão de alguns jogos e com a participação da seleção no Europeu.
O que falta para se ir a um Mundial?Não nos qualificámos para o Mundial, mas a luta foi de igual para igual com as melhores equipas.
Tem algum ídolo ou atleta que tenha sido uma referência?Ídolo, ídolo é a minha mãe. A nível desportivo a Louisa Nécib, que já terminou a carreira. Jogava no Lyon e na seleção francesa, era média e serviu-me de inspiração quando era mais jovem.
A equipa do que ganhou a Supertaça foi recebida nos Paços do Concelho pelo presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio. Em Portugal, não existe uma colagem excessiva dos políticos e autarcas aos êxitos desportivos?Faz parte do reconhecimento público. O facto de o presidente da Câmara nos dar apoio é importante. Se não for a Câmara de Braga a prestar esse reconhecimento, quem o irá fazer?
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