Não vale a pena prolongar muito a discussão, porque vocês estão só a querer ver o lado do jogador, ou até, se quiserem, o lado da sociedade em geral. Tudo bem. Mas também há o lado da entidade organizadora. E é isso que vocês não querem ceder, é perceber que não há nenhum direito inato a ser jogador de futebol, porque essa actividade só existe porque há uma entidade, provada, que a organiza e desenvolve.
O REG107 escreveu "Para mim não é normal aquele regulamento e é absolutamente pacífico que se todos fizessem o mesmo a seleção não jogava. Paciência é só futebol.".
Mas esta é que é a questão, embora no sentido inverso ao que o REG107 quer dar. É só futebol, claro. Mas a entidade (privada) que o organiza vive desse futebol! Alguma vez a FIFA ou a UEFA iam transformar os campeonatos do Mundo e da Europa numa espécie de Jogos Olímpicos com jogadores sem relevância em detrimento da vontade dos jogadores? Os jogadores quando entram para esta actividade sabem as regras que têm de cumprir!
Vou fazer uma comparação que já sei que vão dizer que são situações completamente diferentes e que não tem nada a ver com futebol. Mas tem, juridicamente são talvez as actividades mais parecidas entre si.
Imaginem um padre. Quando vai para padre sabe as obrigações que tem de cumprir. E se vocês dizem que um jogador não pode ver violado o seu direito ao trabalho, um padre vê-lhe restringidos direitos fundamentais muito mais importantes do que isso, como o direito à liberdade sexual, à autodeterminação, à procriação, a constituir família, ao casamento, à adopção, ... Mas ele aceitou isso.
Entretanto esse padre tem um filho, ou quer casar, ou simplesmente quer-se relacionar publicamente com uma mulher, e é forçado a sair do sacerdócio. Que escândalo, estão a violar o direito dele ao trabalho! Então era só o que faltava uma entidade privada (como a Igreja é, uma vez que somos um Estado laico) querer despedir um homem e impedi-lo de exercer a sua profissão só porque ele quer dar uns beijos numa mulher! Que vergonha, um privado restringir um direito de uma pessoa!Nunca ouvi tal indignação em circunstâncias idênticas...
Por isso discordo em absoluto quando se diz "faz-me um bocado de confusão como é que se aceita de bom tom o ato de obrigar alguém a algo, neste caso, nem ponho em causa as razões do jogador, que por mim, podia dizer até, porque não me apetece, continuava a ser um direito dele.". Mas qual direito? O direito a ser jogador de futebol? É tal e qual como o direito a ser padre: só se pode ser padre porque existe a Igreja, e se se aceitarem as suas regras, por muito restritivas da liberdade que sejam; e só se pode ser jogador de futebol porque há entidades que o organizam e se os jogadores aceitarem as suas regras (nota: quase todos os direitos fundamentais das pessoas são renunciáveis pelo próprio, em Portugal até o direito à vida uma vez que o suicídio não é punido; por isso nada impede que um padre limite, por exemplo, a sua liberdade sexual, ou que um futebolista limite o seu direito ao trabalho). Portanto, não há nenhum direito a ser jogador de futebol, como não há nenhum direito a ser escuteiro, ou bombeiro voluntário, ou actor, ou cantor, ou trabalhador do IKEA, ou "milhares" de outras coisas que exigem que uma qualquer entidade (principalmente se for privada) organize e regulamente a respectiva actividade, podendo, por isso, escolher quem pode, e como pode, exercer essa actividade.
E quando dizem que nenhum tribunal aceitaria a restrição de que estamos a falar, isso é um disparate! Há muitas restrições no futebol que contrariam a lei geral que os tribunais impõem, precisamente por se entender que os jogadores podem livremente limitar a sua actividade. Por exemplo, o único profissional que não pode mudar livremente de emprego, bastando para isso dar um pré-aviso de 30 ou 60 dias (consoante a antiguidade) à entidade patronal (e mesmo que não o faça teria de pagar apenas uma indemnização correspondente a 1 ou 2 meses de salário) é o jogador de futebol! Qualquer um de nós pode hoje mudar-se para a concorrência, só tem de avisar o patrão - mas um futebolista não pode. Porque ele próprio, no seu contrato de trabalho, abdica desse direito. Portanto, há muitas excepções no futebol face às outras actividades, por isso não percebo tanta embirração com esta regra...
Numa coisa vocês têm razão: ninguém quer levantar ondas para não criar problemas generalizados. É por isso que são poucos os jogadores que renunciam às selecções, e é por isso que as federações aceitam esses casos excepcionais. Mas só aceitam precisamente porque são excepções, pois se se tronassem regra de certeza que as federações e a FIFA se mexiam. Imaginem que o Manchester City ou o PSG davam um chorudo bónus salarial aos seus jogadores para eles renunciarem às seleções; acham mesmo que a FIFA, a UEFA e as federações iam ficar quietas???
Por fim, a questão do jogador ir fazer o frete à federação para não ser mais convocado e não ser punido por isso. Tenho a certeza que há muitos que já o fazem! Quantos jogadores nunca fizeram na selecção nenhum jogo tão bom como os que fazem nos seus clubes? Mas isso fica para a dignidade profissional de cada um...
RPO.CASTRO, respondendo à tua pergunta "Então a FPF também não pode escrever o que lhe apetece que passa a ser lei acima de todas as outras?".
Obviamente que nenhuma entidade privada pode ter regulamentos que contrariem as leis nacionais. A Igreja não tem e a FPF também não tem. Mas onde está a lei que diz que os jogadores não podem ser obrigados a ir à selecção? Onde está a lei a dizer que a FPF tem de garantir a quem quiser o exercício da actividade de futebolista? Onde está a lei a dizer que a FPF não pode punir como entender os jogadores que não cumprem as suas regras? Bem sei que sabes que não há, e que te estás a escudar nos direitos, liberdades e garantias constitucionais. Mas esses direitos são renunciáveis pelo próprio. É o que os futebolistas fazem quando se inscrevem na FIFA (e os padres...).
Concluindo: sei que não vou convencer ninguém, mas eu tenho a certeza que os regulamentos prescrevem a obrigatoriedade dos jogadores de futebol representarem as selecções (aliás, houve programas televisivos que falaram do "caso Rafa" que afloraram essa questão, mas como ninguém percebe muito de regulamentos, só de bitaites, nunca foram ao fundo do assunto). Penso que tal obrigatoriedade é legal e que, embora isso não possa obviamente garantir, dificilmente um tribunal iria contrariar a vontade do próprio jogador que auto-limitou a sua liberdade de escolha. Aceito que, para não levantar ondas, nem os jogadores abusam nas renúncias às selecções nem a FIFA e as federações se impõem nos (poucos) casos que há. Mas acredito que, se o número de renúncias aumentasse muito, a FIFA e as federações reagiriam.
(NOTA: o caso de Saltillo também não tem nada a ver com isto! Pelo contrário, até é um exemplo de imposição por parte da FPF: os jogadores tiveram um comportamento que a federação considerou incorrecto e foram todos punidos. Os jogadores não renunciaram, pelo contrário, foram impedidos de ir à selecção; entretanto alguns pediram desculpa e voltaram, mas os que nunca pediram desculpa nunca mais voltaram. Ou seja, foram punidos pela federação, não renunciaram).