O jovem Nani, neo-vedeta do Sporting, declarou-se muito satisfeito por jogar na selecção porque nesses jogos o público apoia-o, criticando assim de forma mais ou menos encoberta os adeptos do seu clube, o Sporting. Parece que nos últimos tempos tornou-se moda criticar os adeptos, como se estes desgraçados (que somos nós) fossem os culpados pela pouca-vergonha em que está atolado o futebol tuga. Parece que a função dos jogadores é algo de tão sagrado e tão sensível que o seu desempenho depende das críticas ou aplausos dos adeptos. Isto causa-me alguma confusão porque não consigo imaginar o Pavaroti a cantar mal se os seus espectadores não aplaudirem durante o espectáculo. Assim como não imagino uma companhia de teatro a representar melhor ou pior conforme o apoio do público. Afinal de contas quem são os artistas? Quem é pago para dar espectáculo? Qualquer um de nós, na nossa profissão, se fizer asneira paga por isso. Porque é que o jogador, se não faz o que deve tem de ser mimado e apaparicado?
É claro que quando a equipa é apoiada, cria-se um ambiente psicológico favorável que contribui para a melhor qualidade do espectáculo. Mas esse factor só pode existir se o público se sentir agradado por aquilo que está a ver. Que motivação posso ter eu para aplaudir os jogadores se estes se limitam a passear as sapatilhas pelo relvado, como se este fosse o passeio da fama de Hollywood?
Há dias o Sporting disputava um jogo com o Nacional e até aos 75 minutos o resultado manteve-se favorável aos da ilha do Alberto João. O jogo estava mais chato que um discurso do Sócrates e a equipa da casa parecia a banda do Zé Cabra. Os adeptos leoninos, naturalmente iam perdendo o ânimo, mantendo-se mudos e macambúzios enquanto os jogadores do seu clube faziam à bola o que a Ministra da Educação faz aos professores: bordoada e seja o que Deus quizer. De repente o Sporting marca e volta a marcar, ouvindo-se finalmente o público a festejar e aplaudir como se fosse noite de S. João. O Carlos Bueno, que os sportinguistas já confundiam com o arrumador de carros de Alvalade, de repente, faz de conta que é craque e desata a marcar golos como se não houvesse amanhã. O comentador televisivo aproveitou imediatamente para criticar o público por não ter batido palminhas antes, quando o Sporting estava a perder! Haja paciência para aturar isto! Então os pobres sportinguistas, envergonhados com o triste espectáculo que os seus lagartinhos os torturam durante 74 minutos ainda tinham de os ovacionar?
Tornou-se lugar comum dizer que têm de ser os jogadores a “puxar pelo público”. Mas eu, no meu modesto pensar, pergunto: não é assim que tem de ser? O público paga; os jogadores são pagos! E são pagos (principescamente) para jogar bom futebol, enquanto os adeptos pagam para ver as vedetas aos pontapés à bola. Pedir-lhes que aplaudam efusivamente enquanto os jogadores fazem cócegas à relva é tão disparatado como pedir a um político para falar verdade.
Hoje em dia há uma certa confusão de papéis no mundo da bola: treinadores a fazer de comentadores de televisão, jogadores vedetas sociais ou então a dar entrevistas cheias de pontapés na gramática, árbitros a decidir resultados, empresários a deliberar quem joga e onde joga, políticos a fazer análises desportivas, etc. etc. Penso eu que tudo seria muito mais simples se os jogadores se limitassem a jogar à bola, os jornalistas a transmitir notícias, empresários a apoiar e defender os seus representados sem se imiscuírem nos clubes e dirigentes que se limitassem a gerir o seu clube sem se atascarem em jogos de influência e compadrios. Mas não! Anda tudo trocado e é por isso que o nosso futebol está a tornar-se uma verdadeira selva em que os macacos chafurdam no rio enquanto os hipopótamos trepam às árvores.