Gostei da entrevista. Em muitas passagens se nota que Salvador sabe do que está a falar e defende algumas das posições tomadas com inteligência. Mas estou longe de concordar com todas as opiniões expressas pelo presidente do nosso clube.
A mensagem forte é o possível adeus à presidência que diz ter sempre encarado com espírito de missão. considera que a sua "missão" está terminada: "devolver a alma ao clube, fazer com que fosse respeitado, devolver-lhe a credibilidade, que passasse a ser cumpridor, ganhador." Considero que, neste aspecto, os méritos da sua gestão são inegáveis. A difícil situação encontrada nos planos economico-financeiro e desportivo que Salvador descreve foi ultrapassada graças ao trabalho da sua direcção. Se hoje nos apresentamos de cara lavada perante o país desportivo como um clube cumpridor à sua acção o devemos.
Outra questão é a estabilidade que Salvador afirma ter conseguido ("Os resultados desportivos e financeiros assim o dizem [estabilidade do clube] e ninguém poderá contestar tamanha evidência"). Não concordo. Penso que muito fica por fazer neste aspecto, se Salvador decidir não se recandidatar. Estabilidade existiria se o clube/SAD fosse capaz de gerar recursos da sua actividade corrente suficientes para manter um nível mínimo de qualidade do seu plantel sem colocar em causa as finanças do clube/SAD. Não creio, pelos números que a SAD tem apresentado, que isso aconteça - porque isso depende (como aliás Salvador explica) do número de pessoas que aderem ao clube e também da capacidade para fazer dos ganhos extraordinários provenientes das transferências, um recurso "corrente" da SAD (temos alguma equipa organizada encarregue da prospecção? e ao nível da formação como estamos?). Indirectamente, Salvador reconhece alguma debilidade/dependência na defesa que faz (e a meu ver bem) da relação com Jorge Mendes. A questão é: em que bases se sustenta essa relação? É que se ela resulta apenas de laços de natureza pessoal, com a saída de Salvador lá se vai a "estabilidade", se como Salvador afirma (e eu concordo) somos um clube vendedor (como o é todo o futebol português).
Talvez a propósito das últimas críticas que recebeu (na sequência da negociata Luís Filipe), Salvador sublinha que "os sócios não gostam, reconheço, mas isso é aqui e em todos os clubes portugueses, os grandes inclusive." Ora, falando por mim, nunca me manifestei contra quaisquer das saídas que Salvador patrocinou (mesmo a de Abel que considerei um mau negócio mas ditado pelas opções do técnico), a não ser esta última; pelo contrário até, algumas vezes fui favorável a algumas saídas que a SAD decidiu não concretizar (e.g., Chaves, Rodriguez). Com o que eu não pactuo é com palhaçadas - que é a forma como qualifico esta transferência, completamente ao arrepio daquilo que vinha sendo até agora a postura da SAD.
Quanto à ideia de que as transferências terão servido para abater passivo, não é isso que mostra o último balanço da SAD a que tive acesso (pelo menos não de forma tão significativa quanto seria de esperar pela dimensão dos valores alegadamente encaixados em transferências). Haverá valores ainda não recebidos, mas será que o que nós sabemos destas transferências tem alguma correspondência com a realidade? Depois do negócio Luís Filipe, confesso que já não acredito em nada. Lamento a falta de transparência da gestão quando se trata de valores tão significativos para a sua avaliação por sócios e accionistas...
Pontos positivos da entrevista:
- A defesa de legalidade do negócio AXA - como já referi, discordo da forma como o negócio foi levado a efeito mas adnito que seja perfeitamente legal
-A ambição e realismo desportivos - necessidade de um título (Taça), Liga impossível, terceiro lugar difícil mas...
- O esclarecimento da relação com a Olivedesportos
- Defesa da decisão de não renovar com Jesualdo e a confiança em Jorge Costa (pena contudo que tenha sido omitida a responsabilidade pelo falhanço das escolhas de Carvalhal e Rogério Gonçalves)
- A explicação para as boas relações com Luís Filipe Vieira e Pinto da Costa (embora seja curioso que a entrevista saia publicada num dia em que a reacção do Porto a uma alegada aproximação ilegal a Jorginho parece indiciar algum mal-estar entre os clubes, na sequência de outros episódios de tensão - Madrid, Diego Costa e, digo eu, Nunes)
- A defesa (inteligente) do futebol e dos seus dirigentes (colocando a nu alguma tendência pseudo-intelectual de diabolizar tudo quanto se relaciona com o futebol e comparando o futebol com outras actividades económicas)
Por fim, não queria deixar passar em claro, a propósito das comparações com Guimarães, a oportunidade que Salvador perdeu de fazer algo por mudar a imagem que o Portugal desportivo tem do clube, repetida aliás pelo jornalista: de falta de identidade, de falta de adesão da cidade, de identificação da cidade com o benfiquismo. Não creio que tenha suficientemente afirmativo. Não colocou em questão o papel da imprensa na construção desse mito que torna a nossa acção mais difícil. E pior, confirmou a ideia que tinha: a de que a estratégia implicitamente assumida de crescimento passa apenas pelo sucesso desportivo. Não chega!!! O combate a esta imagem que imprensa e país desportivo continuam a ter do clube é tão ou mais importante que o sucesso desportivo...