FUTEBOL NACIONAL
Wender, a quem os jogadores do Sporting disseram: “Fogo, a nosso favor, está quieto, mas contra nós és um leão!”
Foi para o Sporting porque José Peseiro o convenceu que ia ser útil e jogar muito. Dois meses depois, o treinador sai para entrar outro que não lhe deu uso. Wender regressou ao Braga, por empréstimo, e uma semana depois estava a marcar dois golos aos leões: “O Paulo Bento não confiou tanto no meu valor e achava que, se eu jogasse pelo Braga, ia ser um reforço para o Sporting”. Domingo há um Sporting-Braga (20h15, Sport TV1) e falámos com quem jogou nos dois lados
DIOGO POMBO
17.12.2016 ÀS 8H00
Ouviu o que todo o jogador gosta de ouvir: um treinador a convencê-lo a mudar de clube, dizendo-lhe que ia jogar, ser importante e ter utilidade na equipa que ia ser montada com uma posição feita para ele. Como Wender era extremo e José Peseiro o treinador que lhe garantiu querer jogar em 4-3-3, o brasileiro nem precisou de ser convencido a dizer que sim ao Sporting e até já ao Braga.
Mas o ambiente que Wender encontra não é bom. Está pesado, a passar pela ressaca de uma época que prometeu muito e não ganhou coisa alguma. Mesmo marcando nos dois jogos em que é titular, para a Taça UEFA, o brasileiro nada pode fazer para evitar que, ao fim de dois meses, Peseiro se vá embora. Aparece Paulo Bento, o treinador que gosta de miúdos e ainda mais de uma equipa concentrada ao meio, sem extremos. Wender pouco joga. Quando, no Sporting, surge a necessidade de um lateral direito, o clube ao qual o vão buscar tem outra - a de querer Wender de volta.
A história diz que o extremo voltou “a casa” e, uma semana depois de ainda treinar com os leões, marca-lhes dois golos. “Tu entras e pensas que, há uma semana, estavas ali com eles, não te quiseram lá, e agora que surgiu a oportunidade tens que mostrar o teu valor”, lembra Wender, hoje a treinar os sub-17 do Palmeiras Futebol Clube, clube satélite do Braga, sobre os tempos em que jogou nos dois clubes que, este domingo, se defrontam. Wender fala regularmente com José Peseiro que, dias depois desta entrevista, deixou de ser treinador do Braga.
Como é que o Wender vai parar ao Braga?
Cheguei em 1999 a Portugal, à Naval, depois de jogar no Democrata de Valadares [clube brasileiro]. Tinha feito um bom campeonato mineiro, fomos campeões no primeiro turno e destaquei-me. Depois tive a oportunidade de ir para o Atlético Mineiro, só que eles deram-me um contrato de seis meses e a Naval deu-me um de três anos.
Era melhor, portanto.
Sim, além de ser uma experiência nova também. Eu, pronto, ainda bem que optei por vir.
Não teve dúvidas?
Por acaso não. Claro que o Atlético era um clube grande no Brasil e, mesmo com um contrato de seis meses, era uma oportunidade. Só que pensei mais na estabilidade da família, já era pai. Olhei para isso e para a vontade de tentar fazer coisas fora. Antigamente havia muita instabilidade no Brasil, a gente colecionava contratos de seis meses, às vezes de um ano, mas era pouco tempo. Ou seja, se tu por acaso estivesses mal durante esse tempo, ias logo embora [ri-se um pouco]. Então vim para Portugal para ter estabilidade. Fiquei três anos na Naval e foram anos produtivos, sempre a evoluir. Era capitão de equipa, marquei 15 golos na última época e surgiu o Braga.
E depois do Braga apareceu o Sporting. Teve de ser convencido a ir para lá?
Ó, para o Sporting não precisa, não é? Na época também cheguei a falar com o FC Porto, só que o mister Peseiro convenceu-me.
Como?
Fez-me sentir que, de repente, podia ser mais utilizado. Quando o mister começa a falar e tal e você sente que, se mudar, as coisas podem dar mais certo. No caso, não deram, mas a intenção era essa. O mister estava com a intenção de mudar o esquema e jogar em 4-3-3, com extremos. Achei melhor optar pelo Sporting. Já era um jogador experiente, com 30 anos, acho que até hoje até devo ser o jogador mais caro numa transação em Portugal, em relação à idade, não é? Um jogador de 30 anos custar um milhão e qualquer coisa não é normal. Foi bom, estava bem, só que aconteceu que o mister saiu passados uns dois meses.
O Wender chega ao Sporting na ressaca da época em que, numa semana, a equipa perde o campeonato e a Taça UEFA. Notou muito as consequências disso?
Sem dúvida. Sinceramente, não estava um bom ambiente. Depois de terem tanto a ganhar, não conseguiram nada. O clima estava muito pesado e a cobrança era muita. Não havia um bom ambiente para o trabalho dar certo.
Os jogadores não estavam motivados?
Alguns queriam sair… A pressão do lado dos adeptos, que viram a equipa prometer tanto que ia ser campeã e ganhar títulos, era grande. Depois, logo de seguida, a equipa falha a entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões e não segue na Taça UEFA. Foi uma coisa muito tumultuosa, que levou à entrada do Paulo Bento.
E isso não foi bom para o Wender.
Sem dúvida. Salvo erro, ele tinha sido campeão de juniores e promoveu muitos miúdos, estava a acreditar neles. E eu era um jogador experiente, já com uma certa idade. Mas pronto, estive em todas as convocatórias, fiz alguns jogos, saindo do banco, mas a verdade é que ele tinha alguma dificuldade em perceber a melhor posição na qual me colocar.
Porque, com o Paulo Bento, o Sporting passou a jogar num 4-4-2 losango.
Pois, eu fiquei ali meio perdido. Mesmo assim, continuei a trabalhar sempre ao máximo. Só que chegou o momento em que o Rogério se foi embora, voltou para o Brasil, e eles precisavam de um lateral direito. Foram buscar o Abel ao Braga e surgiu a chance de voltar a casa. Basicamente, foi isso que pensei.
Uma semana depois de chegar ao Braga, por empréstimo, joga contra o Sporting e marca dois golos.
É, foi logo no primeiro jogo de janeiro, e dias depois de ainda ter treinado com eles, antes do Natal [ri-se]. O Paulo Bento não confiou tanto no meu valor e achava que, se eu jogasse pelo Braga, ia ser um reforço para o Sporting [volta a rir-se].
Entrou com mais vontade no jogo por estar nessa situação?
Não digo que seja por causa disso, mas tu entras e pensas que, há uma semana, estavas ali com eles, não te quiseram lá, e agora que surgiu a oportunidade tens que mostrar o teu valor. Entras com esse intuito também. Acho que esse é um dos meus momentos mais marcantes no Braga. Todos os adeptos se lembram disso, ainda comentam muito e me falam disso. Foi interessante, porque eles me associam a esse momento.
E os jogadores do Sporting não ficaram lixados consigo?
Surgiu uma brincadeira ou outra, claro. “Fogo, a nosso favor, está quieto, mas contra nós és um leão!” [mais uma gargalhada]. Há sempre essas brincadeiras. Mas o que é marcante na minha passagem pelo Sporting é que, nos dois jogos que fiz como titular, marquei dois golos. Foram jogos na Taça UEFA e correspondi em ambos. Mas acho que fui mal aproveitado.
Acha que os dois golos que marcou ao Sporting dificultaram um eventual regresso ao clube?
Teve, sim. Mas, salvo erro, acho que vim para o Braga já com uma troca de contratos entre os clubes, aconteceu o mesmo com o Abel. Os dois anos e tal que faltavam no contrato com o Sporting passaram para o Braga [na altura, os dois clubes comunicaram que ambos os jogadores foram emprestados].
Hoje dá-se bem com o José Peseiro?
Sim, falo muito com o mister. Foi uma pena aquele período em que ele esteve mesmo perto do céu e não conseguiu. Depois, na época seguinte, não teve mais do que dois ou três meses de trabalho.
Falam dessa época?
Comentamos algumas coisas, sobre jogadores e as brincadeiras de balneário.
Por causa desses tempos no Sporting, o José Peseiro ganhou uma reputação de ser um treinador que põe as equipas a jogar bem, promete, mas não ganha títulos. O que acha disso?
Acho uma pena terrível. Ele é um grande treinador, com provas dadas em vários clubes do mundo. Eu torço para que ele consiga títulos o mais rápido possível, para deixar de ser lembrado por isso, por quase ganhar ou chegar perto e não conseguir. Além de um grande treinador, é um grande ser humano.
E de onde vem este seu apelido: Said?
Tenho descendência libanesa. O meu bisavô veio para o Brasil quando era pequeno e pronto, tenho esse traço árabe.
Já foi ao Líbano?
Sim, estive em Beirute, em 2012. Mas é muito difícil. O Said ali é como um Silva no Brasil, é muito comum.
Nunca lhe passou pela cabeça jogar pelo Líbano?
Olha, teve uma vez em que um empresário me ligou a propor essas coisas, só que não era uma coisa muito rentável, para você querer fazer isso. Eram muitas viagens e achei que era correr um risco demasiado grande