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Braga atua para reflexão sobre futebol português
«É impossível discutir o modelo de centralização sem discutir o modelo de competição»Está na hora de repensar o futebol. A sério. Muito acima de clubismos e de incómodos. O SC Braga promoveu, esta terça-feira, uma iniciativa com a comunicação social. Todos foram chamados e praticamente todos corresponderam à chamada. Tratou-se de um cenário pouquíssimo usual nos tempos que correm, por culpa das duas partes e com prejuízo para o público. Público esse que precisa de novos chamamentos para se manter ligado à indústria e para voltar em força aos estádios.
Afinal, do que se falou? O SC Braga, através do seu gabinete recentemente criado, chamado Gabinete da Presidência, Estratégia e Media e liderado por André Viana, elaborou uma composta apresentação, com a duração de praticamente uma hora. Sem total perceção do que iríamos encontrar, perante evento sem precedentes, fomos tentando perceber o intuito do mesmo. Ora parecia uma justificação para um cenário de investimento externo (tem-se falado nisso), ora soava a uma promoção do projeto bracarense assente na formação e na emergente academia. Não teve nenhum desses intuitos.
No fim, sessão de debate aberta aos elementos dos variados órgãos de comunicação social, ainda que mesclado com um sistema de perguntas e respostas (sempre por António Salvador). Diríamos que não era bem esse o plano dos organizadores, até porque rapidamente se tocaram assuntos fora do âmbito ali tratado - Ricardo Horta, David Carmo e uma possível parceria com o PSG. O presidente do SC Braga foi respondendo, por entre questões variadas.
Tudo somado, ficou percetível a intenção minhota. Discutir, de forma aprofundada, o futebol português, porque o tempo urge. Duas datas estão no horizonte: a reformulação das provas da UEFA, apontadas para 2024, e a centralização dos direitos televisivos, em 2028. Então, o que deve ser feito?
https://twitter.com/SCBragaOficial/status/1546891162736377856?t=80BQsQQ8fHkfw_CmLQkc9A&s=01O SC Braga apontou o panorama atual, com críticas implícitas à Liga de Clubes. Primeiro, pela inoperância dos grupos de trabalho criados para estudarem os modelos competitivos: «Em cinco minutos, com um computador à frente, fazemos essa pesquisa e percebemos que modelos existem, não é necessário um grupo de trabalho formado para o efeito», disse André Viana. Depois, pela falta de critério em relação a quem tem posição na direção: «Falam de falta de ética por causa das cláusulas do David Carmo? [n.d.r.: 500 mil euros caso o FC Porto seja campeão em cada um dos cinco anos de contrato] Falta de ética é clubes estarem na direção da Liga por nomeação», apontou António Salvador.
Enfim, não descambemos. Vamos à reflexão do estado do futebol português.
Não quiseram, nem durante a apresentação nem no final, levantar o véu sobre o que o SC Braga sugere em termos de modelos competitivos. «Temos várias sugestões, desde formatos mais conservadores a versões mais disruptivas. Compreendam que não as apresentemos já, pois, nos próximos dias, vamos ter reuniões relevantes com três entidades: a Liga, a FPF e a SEJD (Secretaria de Estado da Juventude e Desporto)». Porém, ficaram pistas, nomeadamente... mais jogos entre as equipas mais fortes. E ficou a frase que titula este artigo: «É impossível discutir o modelo de centralização sem discutir o modelo de competição». Cadeiras vazias, um dos problemas.
O SC Braga quer, o quanto antes, que se reflita sobre como os quadros competitivos em Portugal se vão moldar à nova realidade. A tendência histórica diz que o habitual é sentir primeiro o impacto e depois trabalhar em cima disso. Ora, agir em vez de reagir pode fazer toda a diferença para o futebol português, numa altura em que o risco de perda do 6.º lugar do ranking UEFA é bastante grande.
Começar é com os quadros competitivos, indicou o clube. Primeira e Segunda ligas, Supertaça (a dois ou a quatro?), Taça de Portugal e Taça da Liga. Há vários documentos na pasta, prontos a serem mostrados e estudados. E com uma certeza, palavra de presidente: «Se calhar, como as coisas estão, o SC Braga até era o clube mais interessado em não mexer, pois pode parecer que estamos confortáveis. Mas não estamos, porque estamos preocupados com o futebol português e o caminho que este tem levado».
Contudo, foi uma reflexão bastante além disso. Os adeptos foram assunto central. Os baixíssimos números de assistência média (sete clubes abaixo de 2.000 espectadores por jogo, 12 clubes abaixo de 4.000) por comparação com os Países Baixos, concorrentes diretos na luta pelo ranking UEFA (apenas um clube abaixo dos 8.000 espectadores por jogo), tal como os números da taxa de ocupação (só dois clubes portugueses acima dos 50 por cento, contra todos os neerlandeses acima dessa taxa) foram aspetos bastante vincados com gráficos. O tempo de jogo também esteve na ordem do dia, tal como os horários dos jogos. António Salvador deixou uma garantia: mesmo com os minhotos a jogarem à quinta-feira para a Liga Europa, vai pedir para que a sua equipa jogue sempre ao domingo.
O objetivo é ter adeptos no estádio. «Nenhum produto pode ser bem vendido se não se vir público em massa nas bancadas». Veio à baila o exemplo espanhol: a La Liga obriga que as equipas tenham a bancada em posição oposta à câmera master com 75% de ocupação; o incumprimento gera sanções; se ocupação for inferior a 50%, a sanção duplica.
Com um ajuste dos quadros competitivos à realidade europeia e à procura de maior competitividade interna, e com uma conquista maior de adeptos para os estádios, aí sim existiriam condições para um tratamento mais adequado à questão dos direitos televisivos, negociados em conjunto. O objetivo é o de minimizar a clivagem nas receitas dos clubes e aproximá-los, sem prejuízo dos que mais recebem, mas com benefício para os que, atualmente, mais depauperados ficam em receitas provenientes dos contratos televisivos.
O pontapé de saída está dado. Sem problemas em assumi-lo quando questionado sobre o motivo para esta iniciativa, António Salvador explicou que, para além de pretender que o tema se debata nas entidades que regem o futebol português, quer que ele também esteja na ordem do dia na comunicação social. A bem da competitividade, palavra-chave apontada no começo da apresentação. E a bem da indústria, que a todos deve preocupar.
Texto retirado do zerozero.pt
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