Entrevista do Ruben Amorim em 2017. Muito boa para ficar a conhecer um pouco mais as suas ideias.[/color][/font][/size]
Então queres ser treinador.[/size]
Quero, quero. No princípio ainda estava a ver outras coisas para fazer, porque para a vida familiar não é muito fácil, mas... Não é como jogar futebol, ainda não é aquela paixão, mas é uma maneira de ficar ligado ao futebol e ao campo, porque acho que, como terminei muito cedo, ainda me falta qualquer coisa e estou a tentar tapar esse buraco. Não me via como dirigente, muito menos como empresário, não tenho feitio para isso. Não é que não o fizesse, se não tivesse mais nada para fazer, teria de ficar ligado de qualquer maneira, mas é isto que quero tentar seguir. Não sei se vou ser bom, se vou ser mau, mas vou ser.[/color][/font][/size]
Quando treinavas, enquanto jogador, já pensavas na lógica dos exercícios e da forma de jogar?[/color][/font][/size]
Já, já pensava muito. Como toda a gente sabe, joguei em muitas posições e sei um bocadinho de cada posição. Costumo dizer que essa conversa de 'ah, aquele jogador só joga numa posição e aquele consegue fazer muitas' é uma treta. Porque se és um jogador inteligente e se estás atento... Pode existir talento para defender, mas saber como se movimentar, seja a ponta de lança, seja a central, consegues sempre saber e adaptares-te. Por isso, ou estás disponível para te sacrificares em prol da equipa ou não. Sempre me prejudiquei bastante. Houve outras vezes em que até ganhei, porque não estava bem no clube e ia à seleção por fazer várias posições, também tenho noção disso. Mas estava sempre atento e, por ter tido muitas lesões, tive de fazer muita recuperação e perceber o porquê dos exercícios, perceber por que razão me andava a lesionar tanto... Isso deu-me uma bagagem diferente. Mas nessa altura não pensava nisso, não te vou dizer que desde os 20 e tal pensava ser treinador. Mas o facto de pensar, enquanto jogador, no porquê das coisas que fazíamos, ajuda-me hoje em dia para ser treinador, porque já tenho uma bagagem boa para começar.[/color][/font][/size]
Dentro de campo há jogadores que são líderes e vão guiando os outros, "fecha aqui, vai para ali...". Eras assim?[/color][/font][/size]
Sim, bastante. Acho que é importante todos os jogadores saberem as coisas. Há certos jogadores que não gostam de falar. Não é que gostasse de falar, mas isso saía-me naturalmente. O facto de ter sido treinado por um treinador como o Jorge Jesus... tive pontos altos e baixos com ele, mas trabalhar com ele dá-te uma bagagem muito grande, taticamente falando, e dentro de campo usas isso a toda a hora. 'Fecha aqui, fecha ali', estás sempre a corrigir. Mas não era só eu. Por exemplo, o Luisão era incrível nisso e acho que a longevidade dele tem a ver com isso.[/color][/font][/size]
Sabe ler o jogo rapidamente e posicionar-se adequadamente?[/color][/font][/size]
Não só sabe posicionar-se melhor do que ninguém como sabe comandar os outros. As pessas nem imaginam o quão importante é esse comando e ser-se a pessoa que o Luisão é, especialmente numa linha defensiva. Tenho um bocadinho esse feitio também. Mas acho que não é uma qualidade que um jogador tenha que ter, percebes? Não dá vantagem em nada, às vezes até ficamos frustrados mais rapidamente. Como sabes, estou agora a fazer a pós-graduação [em High Performance Football Training, na Faculdade de Motricidade Humana] e um dos problemas que tenho é mesmo esse: não consigo controlar a minha linguagem corporal quando algo está, a meu ver, incrivelmente errado, porque é uma coisa que já se devia saber a um certo nível e quando vejo certos erros que os meus colegas estão a fazer... Não é que eu seja melhor, atenção, é que, a meu ver, está errado e fico rapidamente frustrado.[/color][/font][/size]
Consegues exemplificar?[/color][/font][/size]
Dou-te um exemplo da última aula prática. Pedi a um colega meu para fazer um movimento de desmarcação quando a bola estava de um lado, ou seja, que fizesse uma entrada para dentro de área, como um extremo. E o movimento que ele fez pareceu-me incrivelmente básico, porque ele não pensou. A bola veio para trás, praticamente todas as linhas defensivas do mundo sobem, e ele não fez o movimento circular para entrar, ou seja, entrou diretamente de frente, portanto entraria logo fora de jogo. Para outras pessoas é só corrigir e é isso que devo fazer enquanto treinador, mas, para mim, ali, foi uma frustração imediata e não consegui esconder isso. É um dos problemas que advém dessa forma de ser enquanto jogador, de estar sempre a corrigir.[/color][/font][/size]
Mas sabes que quando começares como treinador, seja na formação ou em seniores, vais levar com muitos jogadores com pouco conhecimento do jogo.[/color][/font][/size]
Sim, a diferença é entre ter ou não ter conhecimento do jogo, não é tanto pela idade, apesar de se ir adquirindo mais conhecimento ao longo dos anos. Sei que vou ter esse problema enquanto treinador, mas também sei - não quero estar a dizer impossível, porque não sabemos o dia de amanhã, se tivermos dificuldade em arranjar oportunidades - que dificilmente me vejo a treinar de juniores para baixo, porque sei que não tenho a parte pedagógica necessária, tenho a parte mais profissional. Com esta formação que estou a ter e falando com treinadores e colegas, consigo perfeitamente perceber que não poderei treinar escalões mais jovens, devido a esse problema de não aceitar coisas que para mim são básicas para se ser jogador de futebol. Vou ensinar, mas vou tentar levá-los a jogar como equipa, acho que nas pequenas coisas não tenho aquele talento para ensinar. Por exemplo, em sub-19, o principal foco para mim seria ensinar-lhes o que é o futebol profissional, não tanto a chutar ou a cruzar ou... Não é isso que me vejo a fazer porque não é isso que sei ensinar, o que acho que posso dar é ensiná-los como se joga no futebol profissional, a minha forma de ver o jogo, como encarar as situações, o treino, a intensidade do treino, o tempo fora do treino... Aí acho que seria uma mais-valia. Mas o meu grande objetivo é treinar homens, como costumo dizer, em que possa ser como sou e expor as minhas ideias como qualquer treinador.[/color][/font][/size]
Estou a ver um bocadinho de Jesus em ti.[/color][/font][/size]
É engraçado, porque enquanto jogador tive muitos problemas com o Jesus. Mas tive como outros tiveram, porque o Jesus é um treinador que cansa. É muita intensidade e muita informação tática, todos os dias a carregar em cima do jogador, é muito perfecionista. Trabalhei muitos anos com ele e é óbvio que o meu nível de exigência é um bocadinho parecido com o dele, porque foram muitos anos, percebes? Mas também trabalhei com outros em que o nível de informação não era nem de perto nem longe o mesmo, nem o estar sempre em cima do jogador, e têm muito sucesso, como o [Leonardo] Jardim, por exemplo. É um treinador que conduz o grupo de uma forma completamente diferente da do Jesus e tem muito sucesso, por isso as minhas ideias são assim porque este é o meu feitio. Mas não serei um treinador como Jorge Jesus, porque temos feitios diferentes, apesar de eu ter sido muito influenciado pelos anos em que estive com ele. Acho que serei duro, no sentido de ser chato, porque não consigo esconder as coisas, mas não serei como o mister Jorge Jesus.[/color][/font][/size]
No primeiro ano de Benfica, passavam praticamente todo o dia no Seixal e ele não apresentava um programa semanal. Era demasiado para os jogadores?[/color][/font][/size]
Acho que ele tem vindo a mudar. No primeiro ano do Benfica, ele queria dar-te muita informação e para te dar muita informação tens de ter mais tempo de treino e tens de ver mais vídeos. É verdade que a equipa no primeiro ano dele melhorou muito e jogámos de uma maneira que ele queria, mas ele esgota muito os jogadores, e como toda a gente pode ver ele tem que, de dois em dois anos, limpar o plantel. E não estou a dizer isto no sentido pejorativo, estou a dizer que tem de limpar porque é impossível um jogador aguentar tanto tempo com tanta informação como o mister Jesus dá. Muitos são vendidos, porque ele ajuda muitos jogadores, mas também prejudica outros, devido ao seu feitio. Há uns que lidam bem com essa pressão, há outros que lidam mal. Ele no primeiro ano dá-te muita informação, porque tem de mudar muita coisa em pouco tempo, mas depois vai relaxando e é diferente. É um excelente treinador, tem vindo a aprender com os seus erros, acho eu, mas tem um feitio muito especial, nunca vai mudar completamente. Vai manter-se fiel a ele mesmo, porque já tem muitos anos de futebol e, se nunca mudou, não é agora que vai mudar. Hoje em dia, o que tenho vindo a aprender neste momento em que estou fora e em que penso mais nas coisas, é que às vezes as pessoas dão muita importância ao físico e à tática, mas, no fundo, temos de gerir homens, porque tu podes ter muita tática e muito físico, mas a mente estar cansada e não teres os jogadores contigo. Essa ligação que deves ter com os jogadores é algo a que se deve dar muito mais importância e eu vou dar - pelo menos tentar. Há que criar uma ligação com os jogadores, deixá-los sempre com um pensamento positivo, alegres para o treino, para o jogo, de forma a que eles possam ter um bom desempenho, porque às vezes a parte tática e física é secundária.[/color][/font][/size]
Alguma vez sentiste isso no balneário? [/color][/font][/size]
Todos os jogadores sentem isso, mas também sentem um grande à-vontade dentro do jogo, quando as coisas correm bem e estás a ganhar porque vais confortável para o jogo quando tens a informação toda. Isso ajuda-te muito a ser melhor jogador. Se conheces os adversários e sabes o que tens de fazer em todas as situações do jogo, vais mais liberto para o campo e isso ajuda muito. Nós sentíamos isso no jogo e dizíamos 'eh pá, custou durante a semana, mas no jogo sentimo-nos bem'. Mas é impossível não sentir que, por vezes, é demais. Mas acho que isso acontece com muitos treinadores. É o que te digo, cada vez mais penso nisso: um treinador de futebol não é como um engenheiro ou assim, em que fazes isto assim [gesticula] e vai sempre dar certo. Não, é preciso ter muita química com o grupo que tens, depois não tens química com este grupo, tens um mau resultado; vais para outro grupo, fazes a mesma coisa e já tens um grande resultado... É tudo muito subjetivo e acho que tem muito a ver com a tua forma de ser, porque tu não te podes inventar. Não chego ali a dizer assim: "Quero ser um gajo muito porreiro. Não, agora quero ser um gajo muito mau". Isso não funciona assim, tens a tua maneira de ser e de pensar e é por aí que vais.[/color][/font][/size]