Dossier: os horários do SC Braga, da Liga NOS e do futebol europeu
“Horários indecentes”. O grito de revolta não ignora que o futebol de 2019 não é igual ao futebol do século XIX, mas a matemática de quem tem de gerir a indústria da multiplicação da distribuição através da TV e das plataformas digitais não pode significar a subtração de espectadores aos estádios.
Portugal tem tratado melhor o adepto de sofá do que o adepto de bancada, mas nem o espectáculo televisivo pode subsistir numa lógica de agressão a quem faz parte da moldura do jogo, completando-o e enriquecendo-o.
Sem adeptos nos estádios, o nosso futebol é mais pobre.
Essa é a máxima que o SC Braga defende e que os seus adeptos reclamam ver praticada. Fazê-lo implica repensar a forma como distribuímos o nosso calendário. Implica permitir que o futebol seja o desporto universal que sempre foi e que lhe permitiu atingir índices de popularidade únicos. Implica que não se restrinja, com a marcação dos jogos, o acesso aos mesmos dos nossos idosos e, não menos importante, das nossas crianças, os adeptos de amanhã.
Basta olhar para os horários para os quais o SC Braga tem sido empurrado para que se perceba que os nossos sócios e adeptos mais jovens não têm, hoje, lugar nos jogos da sua equipa.
A marcação do encontro com o GD Chaves para domingo, dia 10, às 15 horas, é uma conquista que tem de ter uma mensagem anexada para que algo mude no futebol português.
O SC Braga deu voz aos seus sócios e adeptos com a pressão exercida para esta marcação. Deixou que seja a sua presença ou a sua ausência a falar, daí se determinando se há de facto novos caminhos para percorrer.
Acreditamos que sim. E acreditamos que os factos traduzem, com efeito, as razões das assimetrias entre o nosso futebol e o futebol de topo. Por isso entendemos que é nosso dever partilhar as informações recolhidas e que o Presidente António Salvador já tem esgrimido em sede de Conselho de Presidentes e noutros fóruns.
Sim, é verdade que o SC Braga é a equipa em Portugal que joga mais tarde.
Sim, é verdade que Portugal tem o campeonato onde menos se joga aos fins-de-semana.
Sim, é verdade que o SC Braga, comparando-se com equipas de igual destaque de outros campeonatos, constata diferenças significativas nos horários a que joga.
A informação que aqui partilhamos é uma base de reflexão comum. Não é uma manifestação contra ninguém, é um manifesto a favor do futebol português.
Não é o fim da discussão, é o início de um processo de mudança que todos reclamamos.
Porque não queremos matar o futebol.
Parte I: O SC Braga “empurrado” para a última sessão
Três dias depois de António Salvador, Presidente do SC Braga, ter acompanhado os sócios e adeptos do clube nas críticas aos horários praticados no futebol português, surgiram no jornal O Jogo (quarta-feira, 9 de janeiro) explicações prestadas pela Liga Portugal sobre o processo que conduz à marcação dos jogos.
No último parágrafo do artículo principal lia-se: “A Comissão Permanente procura também distribuir os horários das partidas de forma equilibrada e equitativa para que, no final da época, as equipas joguem todas nos vários horários em carteira.”
Os factos dizem-nos que esta distribuição não tem sido bem feita e que o SC Braga tem razões fundadas para a questionar, na medida em que é o clube que mais jogos disputou com o pontapé de saída marcado para depois das 19 horas.
São já 15 jogos (em 19 jornadas analisadas) a começar às 19 horas ou mais tarde, contrastando com o mínimo de 6 jogos partilhado por CD Nacional e CD Tondela e também com a média dos 18 clubes da Liga NOS, que aponta para 9,6 jogos a iniciar no referido período horário.
Pior ainda, o SC Braga é, a par do SL Benfica, um dos dois clubes que ainda não tiveram qualquer jogo a principiar antes das 17 horas (contra os 10 de CD Tondela e CD Santa Clara).
Ou seja, o gráfico é claro no retrato que faz da deficiente distribuição dos horários em carteira e a Comissão que deve reparti-lo “de forma equilibrada e equitativa” pelos vários clubes não está a cuidar de tal assimetria, que é flagrante e que tem criado aos adeptos do SC Braga um enorme entrave.
Essa reclamação é sobretudo premente no que toca aos jogos no Estádio Municipal, que têm começado sempre depois das 20 horas, à exceção de um SC Braga-CS Marítimo que principiou às 18 horas… de uma quarta-feira!
Parte II: A Liga que mais joga durante a semana
A Liga NOS é aquela onde mais se joga durante a semana, de segunda a sexta-feira.
Se preferirmos, a Liga NOS é aquela onde menos se joga durante o fim-de-semana, que é obviamente o período em que os espectadores têm mais tempo disponível para o futebol e também aquele que mais facilmente permite que os estádios possam ser o espaço das famílias e das crianças.
No total, um terço dos jogos do nosso campeonato são disputados em dias úteis (33,3%), valor incomparavelmente superior ao registado nos restantes 12 campeonatos em análise, cuja máxima é registada pela Turquia, situando-se nos 26,9%.
Apesar de apenas duas jornadas se terem disputados a meio da semana (15 e 19), a profusão de jogos distribuídos sobretudo entre as sextas-feiras (a abrir a jornada) e as segundas-feiras (a fechar) fazem disparar a quantidade de jogos fora dos fins-de-semana e também fazem fugir os adeptos dos estádios.
Portugal é o país onde mais se joga à sexta-feira e não apenas em termos percentuais, mas até em valores absolutos. Os 25 jogos disputados nesse dia são o máximo registado nos campeonatos em análise, representando 14,6% dos encontros da Liga NOS.
É fácil constatar, pelo gráfico, que os campeonatos de referência no futebol europeu distribuem a grande fatia dos seus jogos pelos fins-de-semana, sendo o valor de referência situado na relação de 4/5 (Premier League inglesa, Serie A italiana e Bundesliga alemã) ou de ¾ (La Liga espanhola). Em Portugal, como vimos, apenas 2/3 dos jogos se disputam entre os sábados e os domingos.
Parte III: A que horas jogam os “Bragas” dos campeonatos europeus?
É também de notar que o SC Braga já tenha disputado quatro jogos em casa para a Liga NOS em dias da semana, o que não se verifica com nenhum outro clube europeu da tabela abaixo, mesmo que muitos deles estejam a competir nas provas europeias e alguns até na UEFA Europa League.
Esta análise só prova que há falta de critério nas marcações e que a Liga não está a cumprir a missão de “distribuir os horários das partidas de forma equilibrada e equitativa”.
Parte IV: Um problema de conceção ou de distribuição?
A marcação dos jogos em Portugal é um problema que não se resolve unicamente com a antecipação dos mesmos para horários mais em conta. É que em Portugal nem se joga particularmente tarde, mesmo considerando que 38,6% dos jogos a começarem depois das 20 horas não é propriamente a melhor solução para privilegiar o espectador de estádio.
Ainda assim, Espanha (44,3%), França (62,6%), Rússia (83,3%), Bélgica (61,4%) e Turquia (57,3%) têm campeonatos onde se joga mais depois das 20 horas do que na Liga NOS.
A questão está, pois, na distribuição desses jogos pelos dias da semana e também pelas próprias equipas, notando-se um grande desequilíbrio neste ponto que ajuda a que a perceção geral seja a de que em Portugal se joga demasiado tarde comparando com a Europa.
É claro que isso é verdade se em perspetiva estiverem os campeonatos inglês (apenas 8,7% a começar às 20 horas ou mais tarde) e alemão (19,9%), que são os casos de estudo mais vezes referidos no que toca à gestão dos interesses entre a operação televisiva e o respeito pelo público frequentador dos estádios.
Se esse fosse o exemplo a que o futebol português aspiraria, então os números são claros no que toca ao distanciamento que ainda temos face a essas provas.
Obviamente, a discussão será ainda mais profunda do que os contributos que aqui deixamos, mas que já constituem uma base de reflexão para que nos avaliemos internamente e também por comparação com o mercado europeu em que nos inserimos.
E se os clubes têm um papel importante a desempenhar neste processo, cabe igualmente aos adeptos a capacidade de se expressarem por via das escolhas que tomam. De pouco adiantarão os slogans debitados se em momentos como o da próxima jornada, a disputar às 15 horas de um domingo, não forem claras e expressivas as diferenças na presença no estádio e na mobilização de franjas de adeptos que se dizem excluídas pelos horários que têm sido praticados.
Com os dados que aqui partilhamos e que o Presidente António Salvador já tem expressado entre pares, cabe-nos o papel de alerta e de reflexão sobre os caminhos do futebol português. Alterar o atual estado de coisas deve ser competência da Liga e dos operadores televisivos, assim seja essa a vontade manifestada e comprovada pelos adeptos.
SCBraga