Desculpem o testamento, mas aqui vai.
Todos aqui tentamos descortinar as razões porque não vai mais gente ao estádio, e tenho a certeza que é um conjunto de vários fatores, mas quem devia ter a certeza era a SAD com uma equipa de análise de negócios em conjunto com os dep. de comunicação e marketing. E acho que sem que a SAD faça esse trabalho dificilmente conseguirá mudar coisas e continuará a fazer alterações ao sabor do vento.
O problema das assistências tem parelelo aqui no próprio fórum. Não é por acaso que uma virória folgada com um bom jogo frente ao Moreirense tem 4 páginas e um jogo grande 13 ou 14, ou uma derrota contra um Setúbal 9 ou 10. Abutres à parte, as pessoas vêm comentar quando há algo novo ou de importância. Se for um jogo normal de campeonato com o resultado esperado nem sequer faz sentido comentar. Nas assistências é um pouco o mesmo. As pessoas vão aos jogos mais importantes ou quando há algo que as puxe. Para além disso vivemos no paradoxo de termos se calhar 80% dos miúdos serem agora só do Braga mas não irem ao futebol por não terem com quem ir ou as condições serem muito más. Vivemos aqui num vazio onde há os do costume e os miúdos, e uma camada dos 30-40 anos que não se interessa pelo Braga na sua maioria.
Quem acha que isto continua a ser uma simples relação clube-adepto (ou clube-socio) está enganado e é esse o maior fator que impede que se tomem medidas adequadas. O futebol deixou de ser a atividade lúdica principal dos homens e jovens e passou a concorrer com tudo o resto (cinema, concertos, eventos, passeios em família, etc) sendo que a parte da família aqui é crítica. Quantos aqui conhecem pessoas que por terem criado família começaram a ir menos ou até deixar de ir ao estádio? É que ir ao futebol deixou de ser algo só dos homens porque o normal é que os casais e as famílias façam mais as coisas entre todos do que separados. É mais raro um homem vir sozinho ao jogo para ser mais comum ir com a mulher ou os filhos. Mas isso também leva a que vá menos.
Ora, as condições para que um casal vá a um jogo nosso com os filhos são muito más.
A maior parte dos nossos jogos são em dias de semana à noite (2ª ou 6ª às 19h ou 20h30) ou domingo à noite. Quem é que no seu perfeito juízo leva um miúdo de 5 ou 6 anos a um jogo como o deste com o Moreirense? Quem trabalha até às 18h ou 19h que condições tem para ir ao futebol quando tem a família em casa à espera, trabalho no dia seguinte, jantar pra fazer etc? O mesmo ao domingo à noite. Por alguma razão 15 mil adeptos do Dortmund fizeram um protesto formal contra um jogo na 2ª feira à noite e há grandes protestos em inglaterra pelo mesmo motivo (e até por irem colocar agora jogos ao sábado à noite, considerado tempo de estar em família por lá).
O clube criou a zona para os miudos irem aos jogos de borla, mas eu com cadeira tenho que sair do meu lugar para ir para esse setor, ou então separar-me deles. O mesmo se quiser levar a mulher e ela não tiver cadeira (ou andar a pedir pf para os meus vizinhos mudarem de cadeira). Já todos vimos aqui relatos de pessoas que queriam levar amigos ou familiares e esbarraram num bilhete para a bancada oposta ou superior vs inferior. Nem todos contactam a OLA, ou seja, quantos possíveis novos adeptos já perdemos por causa disto?
Vou levar os miúdos ao futebol e não há nada no bar de jeito para se comprar para eles comerem, nem nenhum sítio para eles se divertirem ao intervalo. Se virem os estádios na Alemanha, Inglaterra e principalmente nos EUA há todo um evento criado à volta do jogo, cada jogo tem um tema (e.g. carnaval, halloween, natal, thanksgiving, etc, etc) há comida por todo o lado a preços normais, atividades antes durante e após o jogo para miúdos e graúdos, etc. Na alemanha começaram a fazer isto há relativamente pouco tempo (+/- depois de 2000) e neste momento têm a melhor média de assistencias de todas as ligas europeias. Antes de terem começado a fazer isto estavam bem atrás de outras ligas.
Por cá ficamo-nos naquela ideia (interessante mas muito mal executada) das fanzones que foi completamente descartada, até porque depois vem tudo o resto: Uma fanzone onde o povo fica à chuva ou ao sol, que não funciona em jogos de alto risco porque vai haver porrada. E querem que um homem leve a sua mulher e o seu filho a um jogo com este tipo de condicionantes?
A SAD tem que pensar nisto como um negócio, mas não apenas para dar $$ fácil (transmissões de TV a horários estapafúrdios) mas para fidelizar adeptos da mesma forma que as empresas fidelizam clientes. Porque só conseguirá continuar a ter $$ de patrocínios e aumentar a verba, se tiver o estádio cheio, se as pessoas comprarem merchandizing. O $$ que a SAD/clube recebe de bilhetes e quotas é, e sera sempre, insignificante comparado com a TV ou a publicidade (a não ser que aumentassem muito os preços dos bilhetes) mas o que poderiam ganhar de fidelização (quotas, bilhetes, merchandizing, aluguer dos bares, aumento da publicidade nos jogos, etc) poderia, isso sim, ser bastante significativo. O estádio tem tanto espaço por baixo das bancadas ou naquele espaço entre a banda nascente e os campos de treino para por lojas de todo o tipo (alugadas em dias de jogo) que podiam cativar as pessoas.
Enquanto continuarmos a olhar para isto como o futebol de antigamente que o marido vai ao jogo e deixa a mulher em casa porque se sente obrigado a ir pois é adepto (tipo ir à missa só porque sim) então não vamos a lado nenhum.
Sobre as borlas, este ano já vimos como elas funcionam e não funcionam. fizemos a campanha do jogo de portas abertas, um jogo de borla a um domingo à tarde. Tivemos 20 mil. Fizemos o jogo de dar um presente por um bilhete numa sexta à noite foram os do costume. Esta sexta à noite era jogo de borla para as mulheres, viu-se.
Para além do claro impacto do horário, que para mim é o principal problema e mata completamente qualquer esforço, há outro. No jogo das portas abertas a campanha feita foi enorme, toda a gente na cidade sabia. Alguém que não receba as newsletters do braga ou faça like à pagina do clube soube que na sexta o jogo era de borla para as mulheres? Ou soube da campanha dos presentes? Tenho a certeza que não. Aliás, eu que acompanho tudo isto só soube que as mulheres não pagavam neste jogo já no estádio.
A campanha feita no jogo das portas abertas tem que ser repetida em todos os jogos. Ponto. Não falo na questão das borlas, falo na divulgação dos jogos. Dantes até havia uma carrinha que percorria a cidade nos 2 dias antes dos jogos para cativar povo pró 1º de maio. Era uma ideia bacoca? Talvez, mas funcionava! Os tempos mudaram mas o que é certo é que não há nada na cidade (outdoors, flyers, carros-publicidade, etc) que cative gente e nas redes sociais, tirando um ou outro jogo, só quem faz like na pagina do clube vai vendo coisas.
Fazer borlas tem o problema de diminuir o valor do produto. Porque depois "vicia" as pessoas e eles só vão quando é de borla (o que nesta cidade aliás já acontece, conheço inúmeras pessoas que até gostam do braga mas só vão se for de borla). As borlas podem ser uma boa ideia mas tem que ser contextualizada. Quando habituas as pessoas a pagar X (ou 0) se depois pedes X+Y perdes-las. Foi o que aconteceu se calhar com o problema das quotas da nascente. O problema foi também que toda a gente sentiu o aumento mas ninguém achou bom o preço da cadeira ter diminuído na mesma proporção. Lá está, é o problema normal de negócio-consumidor, o consumidor só vê o que quer. Neste caso olharam todos à quota e ninguém olhou para o preço diminuido da cadeira.
Não vou falar do estádio porque seria bater no ceguinho. E sim, é um grande entrave. Que façam pelo menos as melhorias já propostas para que ao menos se diminua o problema que ele apresenta.
E isto tudo é igual aqui e em qq lado. Se em guimarães não aldrabassem as assistências há 4 anos consecutivos veriam que têm exatamente o mesmo problema em mãos. Aliás, aqui penso que estamos melhor. Nós sabemos que temos um problema. Eles têm-no mas acham que não porque mascaram as assistências. Estão em negação. Apesar de parte do problema já estar resolvido, têm um estádio funcional no centro da cidade.