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A guerra no futebol alemão que tem interrompido muitos jogos com protestos (e maças, barras de chocolate ou carros telecomandados)
Os clubes da Bundesliga e da 2. Bundesliga votaram favoravelmente uma proposta para vender, a um investidor, 8% dos direitos comerciais das competições em troca de dinheiro para ajudar à “internacionalização e modernização” do futebol alemão. Mas os adeptos, que temem que isso abra a porta à entrada de capital externo nos emblemas, demonstraram a sua oposição ao negócio
Por Pedro Barata
Quem tiver visto, recentemente, jogos da Bundesliga e da 2. Bundesliga já se habitou ao ritual: ao minuto 12 começam as manifestações dos adeptos, levando à interrupção das partidas. A fórmula consiste sempre em atirar objetos para o relvado, podendo estes ir desde bolas de ténis até maçãs, de barras de chocolate até notas, passando por apitos ou carros telecomandados.
O cenário apresentou-se, no escalão principal, no Bochum-Bayern, no Friburgo-Eintracht Frankfurt, no Mainz-Augsbrugo, no Wolfsburg-Borussia Dortmund, no Hoffenheim-Union Berlin, no Darmstadt-Estugarda ou no Bayer Leverkusen-Bayern; na segunda divisão, viu-se no Hansa Rostock-Hamburgo, no St. Pauli-Eintracht Braunschweig, no Paderborn-Kiel ou no Hannover-Fürth. A escolha do minuto 12 é uma referência simbólica ao número habitualmente associado aos adeptos.
Mas porquê? Qual a razão para esta revolta que une os diferentes estádios do fußball?
O motivo prende-se com a intenção de vender 8% dos direitos comerciais da Bundesliga e da 2. Bundesliga a uma private equity, um investidor externo que ficaria, durante 20 anos, detentor de partes dos direitos de televisão, comerciais e até, possivelmente, do naming das ligas. Segundo os responsáveis do futebol do país, o encaixe financeiro — que iria entre 900 milhões de euros e os mil milhões — serviria para ajudar à “internacionalização e modernização” do futebol alemão, mas o negócio gera apreensões e receios junto dos adeptos.
O sagrado ‘50+1’
A maior razão de protesto deve-se ao medo que esta venda seja o primeiro passo para terminar com a regra ‘50+1’, uma norma que se confunde com a essência do futebol na Alemanha.
O ‘50+1’ dita que os clubes e os seus sócios (não um investidor externo) devem sempre deter a maioria do capital e direitos de voto. Há as chamadas “exceções históricas”, dadas ao Bayer Leverkusen, financiado pela farmacêutica Bayer, e ao Wolfsburgo, da Volkswagen —o Hoffenheim deixou em 2023 de a ter.
Outro clube que foge, na prática, à lógica do ‘50+1’ é o RB Leipzig, financiado pela Red Bull. Para cumprir com os regulamentos, o Leipzig está dentro dos ‘50+1’, mas ser sócio da entidade é burocraticamente difícil e caro, pelo que os poucos membros são todos ligados à Red Bull, que detém o controlo efetivo das operações.
A natureza da propriedade dos clubes é um assunto muito discutido no país. Há quem argumente que bloquear a entrada de investidores externos limita a competitividade além-fronteiras, mas a generalidade dos adeptos continua a olhar para o ‘50+1’ como uma norma sagrada.
Em dezembro, 24 dos 36 clubes das duas principais divisões votaram a favor da proposta que permitia iniciar negociações para a tal venda dos 8% de direitos. Diversas plataformas de adeptos contestam, desde logo, a essência da votação, que se deu à porta fechada e sem se saber qual o sentido de voto de cada dirigente.
À “France 24”, Kristina Schroeder, da organização de adeptos Unsere Kurve, argumenta: “Que os clubes alemães sejam dos adeptos é algo que os torna especiais. Os adeptos têm de ser incluídos nas decisões, sobretudo nas que são importantes”. A dirigente pediu que a votação de dezembro “seja repetida”, com os votos de cada clube sendo públicos.
O histórico de reivindicações populares no futebol alemão é vasto. Nos primeiros anos do RB Leipzig na elite, era comum ver grandes cartazes contra a Red Bull e a autorização para que o clube competisse na Bundesliga; nas bancadas do país houve, também, alguns dos protestos mais vocais contra a realização do Mundial no Catar; foi, também, graças a estas queixas que o impopular horário de segunda-feira à noite deixou de ser utilizado para partidas da Bundesliga, em 2021.
As queixas dos adeptos tiveram uma primeira vitória quando a Blackstone, uma das empresas interessadas na compra, se retirou do processo. Neste momento, o único candidato conhecido é a CVC Capital Partners, que já investe na Ligue 1 e na La Liga.
Os argumentos da liga
O último relatório financeiro da UEFA indica que a Bundesliga é a terceira liga que mais dinheiro encaixa com a venda de direitos televisão, com €1.048 mil milhões em 2022, atrás da La Liga (€1.462 mil milhões) e da incontestada Premier League (€3.029 mil milhões). Na Alemanha, este valor é 13% menor do que o acordo que havia em 2019/20.
Os dirigentes da liga de clubes argumentam que este negócio permitiria aumentar as receitas televisivas, de marketing e, ainda, potenciar o mercado além-fronteiras. Vários clubes apontam ainda que um parceiro externo poderia trazer valioso conhecimento, que poderia ajudar a aumentar as receitas da Bundesliga e 2. Bundesliga.
A tensão entre a vontade de manter o poder dos adeptos e a tentação de recorrer a investimento externo tem marcado o debate num país que, apesar de ser a mais potente economia da União Europeu, vê os seus clubes sem terem o músculo financeiro que se verifica em Inglaterra ou mesmo nos gigantes de Espanha.
A liga quer ter o negócio fechado até ao final de março, a tempo das negociações para a venda dos direitos televisivos para o ciclo que se iniciará em 2025/26.
Os protestos têm, também, levantado outra questão: quando é que se deve suspender, e não apenas interromper, um jogo? Durante o Hertha-Hamburgo, da 2. Bundesliga, o desafio esteve 32 minutos parado até ser reatado. A federação alemã já se pronunciou, dizendo que “suspender deve ser um último recurso”.
Nos últimos dias, as posições de ambos os lados têm-se extremado. Na semana passada, os máximos responsáveis da liga convidaram várias associações de adeptos para uma reunião, mas estas rejeitaram o encontro, argumentando que se tratava de “uma armadilha”, pois “não havia vontade de negociar”.
Em resposta, Hans-Joachim Watzke, CEO do Borussia Dortmund presidente do conselho de supervisão da liga e conhecido apoiante do negócio com o investidor, alegou que “o diálogo é a base da cooperação democrática”, sublinhando que “ficou registada” a recusa. A guerra no futebol de um gigante europeu continua.
em: https://tribuna.expresso.pt/futebol-internacional/2024-02-19-A-guerra-no-futebol-alemao-que-tem-interrompido-muitos-jogos-com-protestos--e-macas-barras-de-chocolate-ou-carros-telecomandados--88dca24e
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Clubes portugueses são os campeões da dependência das receitas da UEFA e o peso dos salários nas contas está acima do aconselhável
Por Pedro Barata
A UEFA divulgou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu. Em 2022, os clubes nacionais que participaram nas competições internacionais foram lá buscar, em média, 36% das suas receitas, valor que não foi ultrapassado por qualquer país das 15 principais ligas. Num ano em que se registaram recordes de receitas a nível internacional, há duas tendências que merecem reflexão: o crescente peso das apostas na publicidade e a quebra das receitas televisivas em mercados como Itália, Alemanha ou França.
Mais receitas, encaixes comerciais e de patrocínios maiores, mais gente nos estádios, muitos milhões a circularem. A UEFA publicou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu e, em traços gerais, o cenário é descrito pela entidade máxima do jogo no continente como altamente favorável. No entanto, um olhar mais em pormenor aconselha alguma prudência.
Vamos ao otimismo da visão mais ampliada: escrutinadas as contas de mais de 700 clubes das 55 federações-membro, a UEFA atesta que, em 2022, houve €24 mil milhões em receitas, somando os encaixes de todos os emblemas da Europa. É um valor recorde, correspondente a um crescimento de 13% face a 2021, ano altamente marcado pelos constrangimentos da covid-19, e de 4% face a 2019, antes da pandemia entrar nas nossas vidas.
O documento indica que, entre 2013 e 2023, as receitas dos clubes europeus subiram a um ritmo médio superior a mil milhões de euros por ano. Em 2023, a UEFA calcula que tenham havido €26 mil milhões em encaixes, mas essas contas ainda não estão fechadas.
Como esperado, a liga campeã do dinheiro a entrar é a Premier League. Em 2021/2022, os emblemas do principal escalão inglês registaram €6,5 mil milhões em receitas, um valor praticamente igual à soma dos 642 clubes das 50 ligas pior classificadas no ranking UEFA.
Atrás da Premier League segue a la Liga, com €3,3 mil milhões, a Bundesliga, com €3,2 mil milhões, a Serie A (€2,4 mil milhões) e a Ligue 1 (€2 mil milhões). A seguir às big five está a Rússia, cujo campeonato, apesar de todas as restrições devido à invasão à Ucrânia, ainda vale €1,1 milhões em receitas para os seus clubes. O sétimo lugar é da Eredivisie, dos Países Baixos (€629 milhões), uma posição acima de Portugal.
A I Liga é, assim, o oitavo campeonato em que os clubes geram mais receitas, com €557 milhões em 2022. Valores que dependem, mais do que em qualquer outro país de peso relevante do continente, do dinheiro que vem das competições da UEFA.
O relatório gaba o facto de 93,5% do dinheiro gerado pelos torneios europeus ser canalizado de volta para os clubes. Em 2022, €2,9 mil milhões foram distribuídos da UEFA para as equipas.
Em nenhum dos 15 países com maior coeficiente UEFA houve um peso maior das receitas da UEFA nos ingressos registados nos emblemas do que em Portugal. Em 2022, as seis equipas nacionais na Europa encaixaram, em média, €29 milhões via prémios da UEFA, equivalente a 36% das suas receitas totais, num bolo somado de €177 milhões para os clubes da I Liga.
A Áustria iguala Portugal, com os mesmos 36%, havendo ainda um valor acima dos 30% na Dinamarca (34%). Nas big five, o peso da UEFA não supera os 20%, com a campeã a ter sido, claro, a Premier League, com €500 milhões.
Países com mercados muito pequenos — abaixo dos €15 milhões de receitas totais — têm um peso superior do dinheiro da UEFA, como a Albânia (53%), Andorra (57%), Arménia (49%), Gibraltar (72%) ou Kosovo (49%), mas são realidades em que receber €2,8 milhões, como no caso de Gibraltar, significa uma parte grande do valor total que entra no futebol do país.
O estudo indica ainda um dado que deve chamar a atenção dos clubes nacionais: o peso dos salários em Portugal está acima do recomendado pela UEFA.
Segundo as regras de sustentabilidade financeira que chegam de Nyon, os salários — de jogadores e restantes trabalhadores — não devem ser superiores a 70% das receitas dos clubes. Em Portugal, em média, esse valor é de 74%, com um custo total de €419 milhões, indo €292 milhões para pagar a futebolistas.
Os níveis são ainda mais preocupantes em França, onde 89% das receitas dos conjuntos da Ligue 1 são para pagar salários. Na Bélgica (88%) e Turquia (88%) e Itália (83%) também há valores muito elevados, com a Alemanha (59%) a situar-se no polo oposto.
Estádios privados e receitas com transferências, particularidades nacionais
No que toca às receitas com bilheteira, a Premier League é, novamente a vencedora, com €894 milhões. Portugal fica-se pelo 11.º lugar, com €58 milhões, atrás de países como a Bélgica, Escócia ou Suíça.
Em relação aos estádios, há um número que afasta a I Liga da média europeia. 64% dos estádios das principais divisões europeias são detidos pelos Estados ou pelos municípios, mas em Portugal apenas 22% dos recintos são públicos. É apenas o 48.º valor mais elevado entre as 55 federações-membro.
Por comparação com os país vizinhos de Portugal no ranking das ligas, 33% dos estádios na Bélgica são públicos, ao passo que nos Países Baixos são os mesmos 22% que Portugal. Há casos como a Turquia ou Israel, em que 100% dos estádios são públicos, ou a Suécia, com 75% dos recintos a serem dos governos ou municípios, e França (90%).
Outro parâmetro em que a Premier League não tem adversários são as transferências. Os 20 clubes da mais endinheirada competição do planeta gastaram, em 2022, €1,8 mil milhões em compra de jogadores, acima dos €mil milhões de Itália. Portugal foi o sétimo país que mais gastou, com €160 milhões.
Não obstante, há um ponto em que a I Liga lidera a Europa: o balanço entre compras e vendas. Graças aos €248 milhões que os emblemas nacionais encaixaram, Portugal foi, em 2022, o país da UEFA com maior balanço positivo entre futebolistas que saíram e entraram, com €88 milhões positivos.
Atrás de Portugal ficou a Eredivisie, com €68 milhões positivos. Na ponta oposta estão os €1,015 mil milhões negativos da Premier League.
O caso das apostas e as quebras na TV
Como em quase todos os campos de análise, a Premier League é a vencedora das receitas de televisão, com €3 mil milhões, mais do dobro da segunda liga que mais faz em contratos de transmissão, a La Liga, com €1,4 mil milhões. Portugal está logo a seguir às big five, com €178 milhões.
Mas quando, em muitas rubricas, as receitas gerais do futebol no continente têm subido, aqui a tendência é a oposta. As 55 primeiras divisões da Europa valeram, somadas, cerca de €8 mil milhões em direitos de TV, uma quebra de 4% face a 2019. Vendo de outro ângulo, a principal divisão de Inglaterra gera o equivalente a mais de metade em direitos televisivos do que os outros 54 campeonatos registam.
A tendência afeta alguns dos países maiores, como França (menos 19% de receitas de TV em 2023/24 face a 2019/20), Itália (menos 14% no referido período) ou Alemanha (menos 13%). A maior queda é da Turquia, com uns incríveis 67% a menos agora do que em 2019/20, mas também os Países Baixos não conseguiram melhorar o contrato anterior, com 1% a menos em 2023/24 face a 2019/20. Um aviso para Portugal quando a centralização de direitos se aproxima.
Uma outra tendência recente diz respeito à omnipresença da indústria das apostas e dos jogos de sorte e azar como patrocinadores de clubes e competições.
Cinco das 10 principais ligas da UEFA têm empresas de apostas como o mais recorrente patrocinador nas camisolas dos seus clubes: Portugal, Inglaterra, Rússia, Países Baixos e Bélgica. No total, 23% das equipas das primeiras divisões do continente têm a indústria do jogo como parceiro mais visível nos seus equipamentos.
Em 2012, havia 10 campeonatos europeus cujo nome incluía uma empresa de apostas, valor que cresceu para 18. Há, ainda, 12 taças nacionais cujo naming foi vendido a firmas da indústria do jogo. Números que merecem reflexão tendo em contas os alertas que vão sendo lançados em torno do problema da ludopatia.
em: https://tribuna.expresso.pt/futebol-internacional/2024-02-16-Clubes-portugueses-sao-os-campeoes-da-dependencia-das-receitas-da-UEFA-e-o-peso-dos-salarios-nas-contas-esta-acima-do-aconselhavel-f215925b
A guerra no futebol alemão que tem interrompido muitos jogos com protestos (e maças, barras de chocolate ou carros telecomandados)
Os clubes da Bundesliga e da 2. Bundesliga votaram favoravelmente uma proposta para vender, a um investidor, 8% dos direitos comerciais das competições em troca de dinheiro para ajudar à “internacionalização e modernização” do futebol alemão. Mas os adeptos, que temem que isso abra a porta à entrada de capital externo nos emblemas, demonstraram a sua oposição ao negócio
Por Pedro Barata
Quem tiver visto, recentemente, jogos da Bundesliga e da 2. Bundesliga já se habitou ao ritual: ao minuto 12 começam as manifestações dos adeptos, levando à interrupção das partidas. A fórmula consiste sempre em atirar objetos para o relvado, podendo estes ir desde bolas de ténis até maçãs, de barras de chocolate até notas, passando por apitos ou carros telecomandados.
O cenário apresentou-se, no escalão principal, no Bochum-Bayern, no Friburgo-Eintracht Frankfurt, no Mainz-Augsbrugo, no Wolfsburg-Borussia Dortmund, no Hoffenheim-Union Berlin, no Darmstadt-Estugarda ou no Bayer Leverkusen-Bayern; na segunda divisão, viu-se no Hansa Rostock-Hamburgo, no St. Pauli-Eintracht Braunschweig, no Paderborn-Kiel ou no Hannover-Fürth. A escolha do minuto 12 é uma referência simbólica ao número habitualmente associado aos adeptos.
Mas porquê? Qual a razão para esta revolta que une os diferentes estádios do fußball?
O motivo prende-se com a intenção de vender 8% dos direitos comerciais da Bundesliga e da 2. Bundesliga a uma private equity, um investidor externo que ficaria, durante 20 anos, detentor de partes dos direitos de televisão, comerciais e até, possivelmente, do naming das ligas. Segundo os responsáveis do futebol do país, o encaixe financeiro — que iria entre 900 milhões de euros e os mil milhões — serviria para ajudar à “internacionalização e modernização” do futebol alemão, mas o negócio gera apreensões e receios junto dos adeptos.
O sagrado ‘50+1’
A maior razão de protesto deve-se ao medo que esta venda seja o primeiro passo para terminar com a regra ‘50+1’, uma norma que se confunde com a essência do futebol na Alemanha.
O ‘50+1’ dita que os clubes e os seus sócios (não um investidor externo) devem sempre deter a maioria do capital e direitos de voto. Há as chamadas “exceções históricas”, dadas ao Bayer Leverkusen, financiado pela farmacêutica Bayer, e ao Wolfsburgo, da Volkswagen —o Hoffenheim deixou em 2023 de a ter.
Outro clube que foge, na prática, à lógica do ‘50+1’ é o RB Leipzig, financiado pela Red Bull. Para cumprir com os regulamentos, o Leipzig está dentro dos ‘50+1’, mas ser sócio da entidade é burocraticamente difícil e caro, pelo que os poucos membros são todos ligados à Red Bull, que detém o controlo efetivo das operações.
A natureza da propriedade dos clubes é um assunto muito discutido no país. Há quem argumente que bloquear a entrada de investidores externos limita a competitividade além-fronteiras, mas a generalidade dos adeptos continua a olhar para o ‘50+1’ como uma norma sagrada.
Em dezembro, 24 dos 36 clubes das duas principais divisões votaram a favor da proposta que permitia iniciar negociações para a tal venda dos 8% de direitos. Diversas plataformas de adeptos contestam, desde logo, a essência da votação, que se deu à porta fechada e sem se saber qual o sentido de voto de cada dirigente.
À “France 24”, Kristina Schroeder, da organização de adeptos Unsere Kurve, argumenta: “Que os clubes alemães sejam dos adeptos é algo que os torna especiais. Os adeptos têm de ser incluídos nas decisões, sobretudo nas que são importantes”. A dirigente pediu que a votação de dezembro “seja repetida”, com os votos de cada clube sendo públicos.
O histórico de reivindicações populares no futebol alemão é vasto. Nos primeiros anos do RB Leipzig na elite, era comum ver grandes cartazes contra a Red Bull e a autorização para que o clube competisse na Bundesliga; nas bancadas do país houve, também, alguns dos protestos mais vocais contra a realização do Mundial no Catar; foi, também, graças a estas queixas que o impopular horário de segunda-feira à noite deixou de ser utilizado para partidas da Bundesliga, em 2021.
As queixas dos adeptos tiveram uma primeira vitória quando a Blackstone, uma das empresas interessadas na compra, se retirou do processo. Neste momento, o único candidato conhecido é a CVC Capital Partners, que já investe na Ligue 1 e na La Liga.
Os argumentos da liga
O último relatório financeiro da UEFA indica que a Bundesliga é a terceira liga que mais dinheiro encaixa com a venda de direitos televisão, com €1.048 mil milhões em 2022, atrás da La Liga (€1.462 mil milhões) e da incontestada Premier League (€3.029 mil milhões). Na Alemanha, este valor é 13% menor do que o acordo que havia em 2019/20.
Os dirigentes da liga de clubes argumentam que este negócio permitiria aumentar as receitas televisivas, de marketing e, ainda, potenciar o mercado além-fronteiras. Vários clubes apontam ainda que um parceiro externo poderia trazer valioso conhecimento, que poderia ajudar a aumentar as receitas da Bundesliga e 2. Bundesliga.
A tensão entre a vontade de manter o poder dos adeptos e a tentação de recorrer a investimento externo tem marcado o debate num país que, apesar de ser a mais potente economia da União Europeu, vê os seus clubes sem terem o músculo financeiro que se verifica em Inglaterra ou mesmo nos gigantes de Espanha.
A liga quer ter o negócio fechado até ao final de março, a tempo das negociações para a venda dos direitos televisivos para o ciclo que se iniciará em 2025/26.
Os protestos têm, também, levantado outra questão: quando é que se deve suspender, e não apenas interromper, um jogo? Durante o Hertha-Hamburgo, da 2. Bundesliga, o desafio esteve 32 minutos parado até ser reatado. A federação alemã já se pronunciou, dizendo que “suspender deve ser um último recurso”.
Nos últimos dias, as posições de ambos os lados têm-se extremado. Na semana passada, os máximos responsáveis da liga convidaram várias associações de adeptos para uma reunião, mas estas rejeitaram o encontro, argumentando que se tratava de “uma armadilha”, pois “não havia vontade de negociar”.
Em resposta, Hans-Joachim Watzke, CEO do Borussia Dortmund presidente do conselho de supervisão da liga e conhecido apoiante do negócio com o investidor, alegou que “o diálogo é a base da cooperação democrática”, sublinhando que “ficou registada” a recusa. A guerra no futebol de um gigante europeu continua.
em: https://tribuna.expresso.pt/futebol-internacional/2024-02-19-A-guerra-no-futebol-alemao-que-tem-interrompido-muitos-jogos-com-protestos--e-macas-barras-de-chocolate-ou-carros-telecomandados--88dca24e
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Clubes portugueses são os campeões da dependência das receitas da UEFA e o peso dos salários nas contas está acima do aconselhável
Por Pedro Barata
A UEFA divulgou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu. Em 2022, os clubes nacionais que participaram nas competições internacionais foram lá buscar, em média, 36% das suas receitas, valor que não foi ultrapassado por qualquer país das 15 principais ligas. Num ano em que se registaram recordes de receitas a nível internacional, há duas tendências que merecem reflexão: o crescente peso das apostas na publicidade e a quebra das receitas televisivas em mercados como Itália, Alemanha ou França.
Mais receitas, encaixes comerciais e de patrocínios maiores, mais gente nos estádios, muitos milhões a circularem. A UEFA publicou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu e, em traços gerais, o cenário é descrito pela entidade máxima do jogo no continente como altamente favorável. No entanto, um olhar mais em pormenor aconselha alguma prudência.
Vamos ao otimismo da visão mais ampliada: escrutinadas as contas de mais de 700 clubes das 55 federações-membro, a UEFA atesta que, em 2022, houve €24 mil milhões em receitas, somando os encaixes de todos os emblemas da Europa. É um valor recorde, correspondente a um crescimento de 13% face a 2021, ano altamente marcado pelos constrangimentos da covid-19, e de 4% face a 2019, antes da pandemia entrar nas nossas vidas.
O documento indica que, entre 2013 e 2023, as receitas dos clubes europeus subiram a um ritmo médio superior a mil milhões de euros por ano. Em 2023, a UEFA calcula que tenham havido €26 mil milhões em encaixes, mas essas contas ainda não estão fechadas.
Como esperado, a liga campeã do dinheiro a entrar é a Premier League. Em 2021/2022, os emblemas do principal escalão inglês registaram €6,5 mil milhões em receitas, um valor praticamente igual à soma dos 642 clubes das 50 ligas pior classificadas no ranking UEFA.
Atrás da Premier League segue a la Liga, com €3,3 mil milhões, a Bundesliga, com €3,2 mil milhões, a Serie A (€2,4 mil milhões) e a Ligue 1 (€2 mil milhões). A seguir às big five está a Rússia, cujo campeonato, apesar de todas as restrições devido à invasão à Ucrânia, ainda vale €1,1 milhões em receitas para os seus clubes. O sétimo lugar é da Eredivisie, dos Países Baixos (€629 milhões), uma posição acima de Portugal.
A I Liga é, assim, o oitavo campeonato em que os clubes geram mais receitas, com €557 milhões em 2022. Valores que dependem, mais do que em qualquer outro país de peso relevante do continente, do dinheiro que vem das competições da UEFA.
O relatório gaba o facto de 93,5% do dinheiro gerado pelos torneios europeus ser canalizado de volta para os clubes. Em 2022, €2,9 mil milhões foram distribuídos da UEFA para as equipas.
Em nenhum dos 15 países com maior coeficiente UEFA houve um peso maior das receitas da UEFA nos ingressos registados nos emblemas do que em Portugal. Em 2022, as seis equipas nacionais na Europa encaixaram, em média, €29 milhões via prémios da UEFA, equivalente a 36% das suas receitas totais, num bolo somado de €177 milhões para os clubes da I Liga.
A Áustria iguala Portugal, com os mesmos 36%, havendo ainda um valor acima dos 30% na Dinamarca (34%). Nas big five, o peso da UEFA não supera os 20%, com a campeã a ter sido, claro, a Premier League, com €500 milhões.
Países com mercados muito pequenos — abaixo dos €15 milhões de receitas totais — têm um peso superior do dinheiro da UEFA, como a Albânia (53%), Andorra (57%), Arménia (49%), Gibraltar (72%) ou Kosovo (49%), mas são realidades em que receber €2,8 milhões, como no caso de Gibraltar, significa uma parte grande do valor total que entra no futebol do país.
O estudo indica ainda um dado que deve chamar a atenção dos clubes nacionais: o peso dos salários em Portugal está acima do recomendado pela UEFA.
Segundo as regras de sustentabilidade financeira que chegam de Nyon, os salários — de jogadores e restantes trabalhadores — não devem ser superiores a 70% das receitas dos clubes. Em Portugal, em média, esse valor é de 74%, com um custo total de €419 milhões, indo €292 milhões para pagar a futebolistas.
Os níveis são ainda mais preocupantes em França, onde 89% das receitas dos conjuntos da Ligue 1 são para pagar salários. Na Bélgica (88%) e Turquia (88%) e Itália (83%) também há valores muito elevados, com a Alemanha (59%) a situar-se no polo oposto.
Estádios privados e receitas com transferências, particularidades nacionais
No que toca às receitas com bilheteira, a Premier League é, novamente a vencedora, com €894 milhões. Portugal fica-se pelo 11.º lugar, com €58 milhões, atrás de países como a Bélgica, Escócia ou Suíça.
Em relação aos estádios, há um número que afasta a I Liga da média europeia. 64% dos estádios das principais divisões europeias são detidos pelos Estados ou pelos municípios, mas em Portugal apenas 22% dos recintos são públicos. É apenas o 48.º valor mais elevado entre as 55 federações-membro.
Por comparação com os país vizinhos de Portugal no ranking das ligas, 33% dos estádios na Bélgica são públicos, ao passo que nos Países Baixos são os mesmos 22% que Portugal. Há casos como a Turquia ou Israel, em que 100% dos estádios são públicos, ou a Suécia, com 75% dos recintos a serem dos governos ou municípios, e França (90%).
Outro parâmetro em que a Premier League não tem adversários são as transferências. Os 20 clubes da mais endinheirada competição do planeta gastaram, em 2022, €1,8 mil milhões em compra de jogadores, acima dos €mil milhões de Itália. Portugal foi o sétimo país que mais gastou, com €160 milhões.
Não obstante, há um ponto em que a I Liga lidera a Europa: o balanço entre compras e vendas. Graças aos €248 milhões que os emblemas nacionais encaixaram, Portugal foi, em 2022, o país da UEFA com maior balanço positivo entre futebolistas que saíram e entraram, com €88 milhões positivos.
Atrás de Portugal ficou a Eredivisie, com €68 milhões positivos. Na ponta oposta estão os €1,015 mil milhões negativos da Premier League.
O caso das apostas e as quebras na TV
Como em quase todos os campos de análise, a Premier League é a vencedora das receitas de televisão, com €3 mil milhões, mais do dobro da segunda liga que mais faz em contratos de transmissão, a La Liga, com €1,4 mil milhões. Portugal está logo a seguir às big five, com €178 milhões.
Mas quando, em muitas rubricas, as receitas gerais do futebol no continente têm subido, aqui a tendência é a oposta. As 55 primeiras divisões da Europa valeram, somadas, cerca de €8 mil milhões em direitos de TV, uma quebra de 4% face a 2019. Vendo de outro ângulo, a principal divisão de Inglaterra gera o equivalente a mais de metade em direitos televisivos do que os outros 54 campeonatos registam.
A tendência afeta alguns dos países maiores, como França (menos 19% de receitas de TV em 2023/24 face a 2019/20), Itália (menos 14% no referido período) ou Alemanha (menos 13%). A maior queda é da Turquia, com uns incríveis 67% a menos agora do que em 2019/20, mas também os Países Baixos não conseguiram melhorar o contrato anterior, com 1% a menos em 2023/24 face a 2019/20. Um aviso para Portugal quando a centralização de direitos se aproxima.
Uma outra tendência recente diz respeito à omnipresença da indústria das apostas e dos jogos de sorte e azar como patrocinadores de clubes e competições.
Cinco das 10 principais ligas da UEFA têm empresas de apostas como o mais recorrente patrocinador nas camisolas dos seus clubes: Portugal, Inglaterra, Rússia, Países Baixos e Bélgica. No total, 23% das equipas das primeiras divisões do continente têm a indústria do jogo como parceiro mais visível nos seus equipamentos.
Em 2012, havia 10 campeonatos europeus cujo nome incluía uma empresa de apostas, valor que cresceu para 18. Há, ainda, 12 taças nacionais cujo naming foi vendido a firmas da indústria do jogo. Números que merecem reflexão tendo em contas os alertas que vão sendo lançados em torno do problema da ludopatia.
em: https://tribuna.expresso.pt/futebol-internacional/2024-02-16-Clubes-portugueses-sao-os-campeoes-da-dependencia-das-receitas-da-UEFA-e-o-peso-dos-salarios-nas-contas-esta-acima-do-aconselhavel-f215925b