Isto para mim merece um tópico próprio. Grande jornalismo, consegue ver o que se passa em Braga por entre os estereótipos da sociedade.
Grandes Bracarenses e Braguistas no artigo. O meu aplauso.
"Agora, Braga é mesmo do Braga
Por Luís Octávio Costa
O Braga ganhou protagonismo. E está no 2.º lugar do campeonato. Conquistou o respeito dos adversários. E "adeptos cem por cento do Braga", numa cidade que já não se divide entre quem é do Benfica e do Sporting.
As caixas aveludadas com medalhões estão alinhadas na pequena biblioteca como se fossem condecorações de um general na reserva. Sentado à secretária, Barros Pereira, 73 anos, abre a segunda gaveta à direita e desdobra uma frase sua num jornal: "O Sporting de Braga é um mexilhão no meio da turbulência." Data de Novembro 1992, mas podia ser de hoje.
Autor de dois dos livros de história do Braga, Barros Pereira é do tempo em que o clube "comia migalhas" e em que a cidade ficava a anos-luz do mapa distorcido do futebol. "Se havia dois grandes ciclistas, um era do Sporting e o outro do Benfica." E se hoje o título de campeão nacional de futebol continua a ser monopólio das cidades de Lisboa e do Porto, o Braga espera poder continuar a ser o intruso. "Deixámos de ser o clubezinho que lutava para não descer de divisão e agora preocupamo-nos em encher o estádio. Braga já não é uma cidade com adeptos do Benfica e do Sporting. É uma cidade onde a juventude consegue envergonhar alguns pais", descreve, orgulhoso, o veterano "sócio dedicação" que já foi de tudo (secretário-geral do Braga, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, presidente da Associação de Futebol de Braga e do Conselho de Arbitragem da federação).
Os números são indesmentíveis. Os da tabela classificativa, que correm diariamente ao balcão dos cafés e das tascas (48 pontos, a um de distância do Benfica, 2.º lugar no campeonato), e os outros, os invisíveis, que revelam um clube em estado de ebulição. As linhas de evolução das vendas de bilhetes, do número de novos associados e dos lucros de merchandising têm sido mais ou menos paralela. Uma média de 14 mil espectadores no Estádio Municipal (aumento de oito por cento de 2007/08 para 2008/09 e de 14 por cento de 2008/09 para 2009/10), 24.100 sócios com quotas em dia (aumento de 23 por cento de 2007/08 para 2008/09 e de 19 por cento de 2008/09 para 2009/10) e um disparo da ordem dos 110 por cento na venda de camisolas dos "guerreiros do Minho", o lado mais blockbuster de uma agressiva campanha de marketing que vai às escolas do ensino básico e secundário (com camisolas e propostas de adesão), e depois leva os alunos ao estádio.
Actualmente, o nome da cidade confunde-se com o de um clube que não sabe muito bem o dia, o mês e nem sequer o ano em que nasceu ("aí por 1920", consta), mas que agora parece querer recuperar a sua identidade. "Isto já é uma grande cidade", aponta Barros Pereira. "A cidade está com o Braga e o Braga está com a cidade", resume Paulo "Bispo" Padeiro, com o melhor cabrito da região e a resposta mais rápida do Oeste. O Braga "não é o que era". "Agora, o Braga é Braga mesmo."
Esta parece ser a descrição mais fiel de um clube cuja história é desportivamente bipolarizada. Ainda há quem se lembre do emblema em forma de bacalhau espalmado, da histórica algazarra numa assembleia geral que serviu para agradar a gregos e a troianos - os bracarenses sportinguistas mantiveram Sporting no nome, os bracarenses benfiquistas ganharam a cor vermelha do equipamento, que inicialmente era verde e branco - e de José Antunes Guimarães, o presidente da primeira subida à I Divisão Nacional que em Londres se apaixonou pela camisola do Arsenal.
"Não há milagres"
Miguel Pedro, neto do presidente que, dizem, deu a vida pelo clube, é mais um exemplo de uma paixão assolapada por Braga e pelo Braga. Foi um dos fundadores dos Mão Morta ("Olá! O meu nome é Miguel Pedro e sou o intelectual do grupo"), juntamente com Joaquim Pinto e Adolfo Luxúria Canibal, é baterista dos Mundo Cão e instrumentista dos Governo (com valter hugo mãe na onda Antony), director municipal da Câmara de Braga, presidente da Assembleia Geral da SAD bracarense (tomou as rédeas da Sociedade Anónima Desportiva durante o fenómeno) e tem "o clube no ADN, no código genético".
Aparentemente, não há truque nenhum para ele falar do clube com um sorriso nos lábios horas depois de o FC Porto ter deixado o Braga com uma mão à frente e outra atrás. Mas há. Há "adeptos" ("Um concerto dos Mão Morta tem mais gente do que muitos jogos em Coimbra ou em Leiria"), há uma "gestão para um resultado: a equipa profissional de futebol", há um "lógico processo de amadurecimento" e há António Salvador, "um homem pragmático" ("sabe de bola", traduz Barros Pereira, lembrando que foi o actual presidente do Braga o primeiro a recrutar Carlos Carvalhal, Jesualdo Ferreira e Jorge Jesus, actuais treinadores dos tradicionais três grandes) que soube rodear-se de "algumas pessoas bestiais".
"Enquanto os outros clubes têm orçamento para duas ou três equipas de qualidade, o Braga tem para uma equipa e meia. Trata-se de uma questão orçamental pura e simples. A lógica e as contas dizem-nos que uma época como esta pode acontecer de três em três ou de quatro em quatro anos. Não há milagres nem com a Nossa Senhora do Sameiro do nosso lado", diz Miguel Pedro, entre um telefonema de trabalho, um de lazer (o álbum Pesadelos de Peluche tem lançamento marcado para o dia 29 de Abril, no Coliseu de Lisboa) e um desabafo de túnel ("Fala-se no castigo do Hulk, mas não na ausência do melhor número seis do campeonato. O Vandinho faz uma falta...").
Amanhã é dia de jogo - o Braga recebe o Olhanense e, pela segunda vez, a entrada é gratuita. Objectivo: garantir mais apoio à equipa, "galvanizar os "guerreiros do Minho"".
"Agora é a valer"
Se a tradição diz que os adeptos do Braga não são incondicionais e que o Guimarães é que tem um público de excepção, a tradição já não é bem o que era. "Não vale a pena perder tempo a tentar convencer as pessoas mais idosas a mudar de clube", sublinha Ricardo Amorim, um dos administradores do site SuperBraga.com, reconhecendo "razões históricas" para a descaracterização e dispersão dos adeptos na cidade.
"É mais do que um mito. As pessoas que agora têm 40/50 anos são do Benfica porque quando escolheram clube o Braga estava na segunda divisão e quem ganhava era o Benfica. E há alguns anos, enquanto o Braga tentava não descer de divisão, quem ganhava era o FC Porto. Foram estes condicionalismos que afastaram as pessoas do seu clube", justifica.
Aliada a uma "atitude pró-activa", a nova realidade desportiva do Braga alterou o retrato-robô. "A nova onda de adeptos do Braga tem entre os 15 e os 25 anos", anota o administrador de um site que conta com 3300 inscritos no fórum (um em cada cinco é do sexo feminino), uma média de 160 mensagens e de 60 mil visualizações diárias. "Tenho três filhas em idade escolar e nas turmas delas os adeptos do Braga estão em larga maioria."
Nota-se o efeito bola de neve. O Braga ganhou protagonismo ("Aparece na televisão todos os fins-de-semana", lembra Miguel Pedro), conquistou verdadeiros seguidores ("Os novos adeptos são cem por cento do Braga", assegura Ricardo Amorim) e o respeito dos adversários ("Nos jogos com o Benfica chateava-me sempre e agora não. Continua a haver benfiquistas na bancada, mas contêm-se, sabem que o Benfica já não vem cá passear...", comenta Paulo Padeiro, que só desfaz o sorriso de orgulho para falar do "frio e inacessível" Estádio Municipal. "Afasta os adeptos. Há pessoas que vão ver os juniores e os jogos da Liga Intercalar só para matar saudades do Estádio 1.º de Maio").
Mudança duradoura? Barros Pereira acabara de dobrar pelos vincos a sua última entrevista na condição de presidente do Conselho de Arbitragem ("Já cumpri a minha missão neste lugar. A minha neta pode orgulhar-se de mim por ter passado pelo lamaçal sem ter sujado as calças", pode ler-se no recorte de 1998). Fez um compasso de espera, sorriu e respondeu com a convicção de quem coloca a identidade do Braga à frente de qualquer título. "Agora é a valer, é para ficar."
Público"
Grandes Bracarenses e Braguistas no artigo. O meu aplauso.
"Agora, Braga é mesmo do Braga
Por Luís Octávio Costa
O Braga ganhou protagonismo. E está no 2.º lugar do campeonato. Conquistou o respeito dos adversários. E "adeptos cem por cento do Braga", numa cidade que já não se divide entre quem é do Benfica e do Sporting.
As caixas aveludadas com medalhões estão alinhadas na pequena biblioteca como se fossem condecorações de um general na reserva. Sentado à secretária, Barros Pereira, 73 anos, abre a segunda gaveta à direita e desdobra uma frase sua num jornal: "O Sporting de Braga é um mexilhão no meio da turbulência." Data de Novembro 1992, mas podia ser de hoje.
Autor de dois dos livros de história do Braga, Barros Pereira é do tempo em que o clube "comia migalhas" e em que a cidade ficava a anos-luz do mapa distorcido do futebol. "Se havia dois grandes ciclistas, um era do Sporting e o outro do Benfica." E se hoje o título de campeão nacional de futebol continua a ser monopólio das cidades de Lisboa e do Porto, o Braga espera poder continuar a ser o intruso. "Deixámos de ser o clubezinho que lutava para não descer de divisão e agora preocupamo-nos em encher o estádio. Braga já não é uma cidade com adeptos do Benfica e do Sporting. É uma cidade onde a juventude consegue envergonhar alguns pais", descreve, orgulhoso, o veterano "sócio dedicação" que já foi de tudo (secretário-geral do Braga, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, presidente da Associação de Futebol de Braga e do Conselho de Arbitragem da federação).
Os números são indesmentíveis. Os da tabela classificativa, que correm diariamente ao balcão dos cafés e das tascas (48 pontos, a um de distância do Benfica, 2.º lugar no campeonato), e os outros, os invisíveis, que revelam um clube em estado de ebulição. As linhas de evolução das vendas de bilhetes, do número de novos associados e dos lucros de merchandising têm sido mais ou menos paralela. Uma média de 14 mil espectadores no Estádio Municipal (aumento de oito por cento de 2007/08 para 2008/09 e de 14 por cento de 2008/09 para 2009/10), 24.100 sócios com quotas em dia (aumento de 23 por cento de 2007/08 para 2008/09 e de 19 por cento de 2008/09 para 2009/10) e um disparo da ordem dos 110 por cento na venda de camisolas dos "guerreiros do Minho", o lado mais blockbuster de uma agressiva campanha de marketing que vai às escolas do ensino básico e secundário (com camisolas e propostas de adesão), e depois leva os alunos ao estádio.
Actualmente, o nome da cidade confunde-se com o de um clube que não sabe muito bem o dia, o mês e nem sequer o ano em que nasceu ("aí por 1920", consta), mas que agora parece querer recuperar a sua identidade. "Isto já é uma grande cidade", aponta Barros Pereira. "A cidade está com o Braga e o Braga está com a cidade", resume Paulo "Bispo" Padeiro, com o melhor cabrito da região e a resposta mais rápida do Oeste. O Braga "não é o que era". "Agora, o Braga é Braga mesmo."
Esta parece ser a descrição mais fiel de um clube cuja história é desportivamente bipolarizada. Ainda há quem se lembre do emblema em forma de bacalhau espalmado, da histórica algazarra numa assembleia geral que serviu para agradar a gregos e a troianos - os bracarenses sportinguistas mantiveram Sporting no nome, os bracarenses benfiquistas ganharam a cor vermelha do equipamento, que inicialmente era verde e branco - e de José Antunes Guimarães, o presidente da primeira subida à I Divisão Nacional que em Londres se apaixonou pela camisola do Arsenal.
"Não há milagres"
Miguel Pedro, neto do presidente que, dizem, deu a vida pelo clube, é mais um exemplo de uma paixão assolapada por Braga e pelo Braga. Foi um dos fundadores dos Mão Morta ("Olá! O meu nome é Miguel Pedro e sou o intelectual do grupo"), juntamente com Joaquim Pinto e Adolfo Luxúria Canibal, é baterista dos Mundo Cão e instrumentista dos Governo (com valter hugo mãe na onda Antony), director municipal da Câmara de Braga, presidente da Assembleia Geral da SAD bracarense (tomou as rédeas da Sociedade Anónima Desportiva durante o fenómeno) e tem "o clube no ADN, no código genético".
Aparentemente, não há truque nenhum para ele falar do clube com um sorriso nos lábios horas depois de o FC Porto ter deixado o Braga com uma mão à frente e outra atrás. Mas há. Há "adeptos" ("Um concerto dos Mão Morta tem mais gente do que muitos jogos em Coimbra ou em Leiria"), há uma "gestão para um resultado: a equipa profissional de futebol", há um "lógico processo de amadurecimento" e há António Salvador, "um homem pragmático" ("sabe de bola", traduz Barros Pereira, lembrando que foi o actual presidente do Braga o primeiro a recrutar Carlos Carvalhal, Jesualdo Ferreira e Jorge Jesus, actuais treinadores dos tradicionais três grandes) que soube rodear-se de "algumas pessoas bestiais".
"Enquanto os outros clubes têm orçamento para duas ou três equipas de qualidade, o Braga tem para uma equipa e meia. Trata-se de uma questão orçamental pura e simples. A lógica e as contas dizem-nos que uma época como esta pode acontecer de três em três ou de quatro em quatro anos. Não há milagres nem com a Nossa Senhora do Sameiro do nosso lado", diz Miguel Pedro, entre um telefonema de trabalho, um de lazer (o álbum Pesadelos de Peluche tem lançamento marcado para o dia 29 de Abril, no Coliseu de Lisboa) e um desabafo de túnel ("Fala-se no castigo do Hulk, mas não na ausência do melhor número seis do campeonato. O Vandinho faz uma falta...").
Amanhã é dia de jogo - o Braga recebe o Olhanense e, pela segunda vez, a entrada é gratuita. Objectivo: garantir mais apoio à equipa, "galvanizar os "guerreiros do Minho"".
"Agora é a valer"
Se a tradição diz que os adeptos do Braga não são incondicionais e que o Guimarães é que tem um público de excepção, a tradição já não é bem o que era. "Não vale a pena perder tempo a tentar convencer as pessoas mais idosas a mudar de clube", sublinha Ricardo Amorim, um dos administradores do site SuperBraga.com, reconhecendo "razões históricas" para a descaracterização e dispersão dos adeptos na cidade.
"É mais do que um mito. As pessoas que agora têm 40/50 anos são do Benfica porque quando escolheram clube o Braga estava na segunda divisão e quem ganhava era o Benfica. E há alguns anos, enquanto o Braga tentava não descer de divisão, quem ganhava era o FC Porto. Foram estes condicionalismos que afastaram as pessoas do seu clube", justifica.
Aliada a uma "atitude pró-activa", a nova realidade desportiva do Braga alterou o retrato-robô. "A nova onda de adeptos do Braga tem entre os 15 e os 25 anos", anota o administrador de um site que conta com 3300 inscritos no fórum (um em cada cinco é do sexo feminino), uma média de 160 mensagens e de 60 mil visualizações diárias. "Tenho três filhas em idade escolar e nas turmas delas os adeptos do Braga estão em larga maioria."
Nota-se o efeito bola de neve. O Braga ganhou protagonismo ("Aparece na televisão todos os fins-de-semana", lembra Miguel Pedro), conquistou verdadeiros seguidores ("Os novos adeptos são cem por cento do Braga", assegura Ricardo Amorim) e o respeito dos adversários ("Nos jogos com o Benfica chateava-me sempre e agora não. Continua a haver benfiquistas na bancada, mas contêm-se, sabem que o Benfica já não vem cá passear...", comenta Paulo Padeiro, que só desfaz o sorriso de orgulho para falar do "frio e inacessível" Estádio Municipal. "Afasta os adeptos. Há pessoas que vão ver os juniores e os jogos da Liga Intercalar só para matar saudades do Estádio 1.º de Maio").
Mudança duradoura? Barros Pereira acabara de dobrar pelos vincos a sua última entrevista na condição de presidente do Conselho de Arbitragem ("Já cumpri a minha missão neste lugar. A minha neta pode orgulhar-se de mim por ter passado pelo lamaçal sem ter sujado as calças", pode ler-se no recorte de 1998). Fez um compasso de espera, sorriu e respondeu com a convicção de quem coloca a identidade do Braga à frente de qualquer título. "Agora é a valer, é para ficar."
Público"